O diretor Lisandro Alonso é um dos nomes mais instigantes do cinema argentino contemporâneo. Os filmes do cineasta, no entanto, não partilham das mesmas características narrativas responsáveis pelo sucesso mundial de conterrâneos como Juan José Campanella (O Filho da Noiva e O Segredo dos Seus Olhos) e Damián Szifrón (Relatos Selvagens). A turma de Alonso é outra: ele corre na mesma raia que Lucrecia Martel (O Pântano e A Menina Santa) e, em menor medida, Pablo Trapero (Nascido e Criado e Leonera) - seus longas desafiam o primado da trama sobre outros aspectos fílmicos e não se contentam com a mera compreensão racional, convocando o espectador a se deixar levar também pelos estímulos sensoriais provocados por imagens e sons. Jauja (2014), mais recente filme do realizador argentino, levou o prêmio da Fipresci (associação internacional dos críticos de cinema) da mostra Um Certo Olhar, no Festival de Cannes do ano passado, e participou do 25º Cine Ceará - festival que se encerraria ontem à noite.
Em cartaz a partir de hoje na Capital na Sala Paulo Amorim, Jauja propõe uma viagem ao passado, tanto cronológico quanto mítico: em 1882, um engenheiro dinamarquês (Viggo Mortensen, o Aragorn da trilogia O Senhor dos Anéis) participa ao lado do exército argentino da chamada Conquista del Desierto - campanha militar que praticamente exterminou a população aborígene da região. Quando sua filha de 15 anos (a estreante atriz dinamarquesa Viilbjørk Malling Agger) desaparece - aparentemente fugindo com um jovem soldado local -, Gunnar Dinesen embrenha-se nos pampas da Patagônia em uma jornada rumo a um território incógnito e mágico. Região do centro do Peru conhecida por sua riqueza natural, Jauja virou sinônimo em espanhol para lugar ou qualquer coisa que prometa prosperidade e abundância, como um eldorado.
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Mais do que o enredo em si e mesmo o esboço psicológico dos personagens, o que assume o protagonismo em Jauja é o cenário, grandioso e indômito: a tela é ocupada pelas paisagens imensas e rústicas, que remetem aos sertões dos faroestes, nas quais a proporção humana encolhe diante da natureza portentosa. Se as belas imagens - exibidas na inusual moldura de 4:3 com contornos arredondados, lembrando as fotos de exploradores do século 19 - ecoam westerns de perseguição como o clássico Rastros de Ódio (1956), de John Ford, a trama rarefeita e o clima quase esotérico evocam referências cinematográficas mais experimentais. Especialmente no surpreendente final, que propõe uma enigmática conexão com um tempo e um lugar diferentes dos que até então foram mostrados, Lisandro Alonso dialoga com o mistério transcendental característico dos filmes do americano David Lynch e do tailandês Apichatpong Weerasethakul.
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Em Jauja, o antagonismo entre o europeu conquistador e o nativo sul-americano é potencializado pelo enfrentamento inglório do homem com a natureza - recordando uma obra antológica sobre este mesmo tema: Aguirre, a Cólera dos Deuses (1972), de Werner Herzog. Não à toa, o argentino responsável por produções impressionantes e climáticas como La Libertad (2001), Los Muertos (2004) e Liverpool (2008) ministrou no recente Cine Ceará uma master class chamada A Paisagem como Preceito Narrativo.
O envolvimento de Viggo Mortensen com Jauja extrapolou a atuação: filho de pai dinamarquês, o astro americano que já morou na Argentina e na Venezuela é um dos produtores e autor da trilha sonora, além de ter se envolvido na escolha do cartaz do filme e corrigido as legendas em espanhol, francês e inglês.
Onde assistir:
Sala Paulo Amorim, às 15h e às 19h.
(Casa de Cultura Mario Quintana / Andradas,736)