Queria escrever sobre Leopardi. Lembrei de uma passagem dele em aula, cheguei a citá-la - por certo com equívocos, mas nunca a ideia com que abre seus Pensamentos me pareceu tão acertada, a de que os vilões sempre hão de superar os bons no mundo pelo mero fato de que os vilões se reconhecem e não divergem em sua maldade, unindo-se céleres para massacrar os justos.
Cheguei em casa e fui em busca de suas Obras Completas, em uma antiga edição da Aguilar, há muito fora de mercado, encontrada numa livraria de praia em Santa Catarina. (O verdadeiro leitor já se pegou maravilhado com essas descobertas que levam a mistérios de uma vida inteira: como aquele livro fora parar lá? Pelas mãos de quem? Como ninguém o quisera antes de mim?)
Até aquele momento, eu só conhecia um poema do grande nome do romantismo italiano, graças a um filme do Visconti, Vagas Estrelas da Ursa, mas seduziu-me tanto o azul da capa, os escritos em dourado, o fino papel-bíblia, que não pude deixar a chance passar, mesmo perdendo duas sequências de camarão ao preço pago.
Quero escrever sobre Leopardi, mas o livro sumiu. Desde então reviro estantes, pilhas, cabeceira. Ainda o procuro enquanto escrevo esta frase. Cogito ser um castigo. Anos atrás, eu prometera fazer uma nova tradução dos Pensamentos para meu amigo e editor Tito Montenegro. Nunca a entreguei. Trair trabalho e amizade, eis uma dupla vileza. Segundo Leopardi, no entanto, vocês estariam mais dispostos a me perdoar porque não são sacripantas como eu, condenando somente aqueles que erram o erro que vocês seriam capazes de errar.
Recorro à internet para achar o trecho, mas o desgosto me domina. Penso no toque acetinado das folhas, nas minhas anotações às margens, estúpidas, mas minhas, minhas e perdidas. No mesmo site, topo com os versos usados por Visconti. Espero não vos arruinar o dia, leitores, fazendo vossas as nossas melancolias. "Vagas estrelas da Ursa, eu não contava/ Voltar ainda ao hábito de vos olhar/ Sobre o paterno jardim cintilantes/ E conversar convosco das janelas/ Deste lar onde vivi menino/ E conheci o fim das minhas alegrias."