Quem somos nós? Apesar de complexa, a pergunta é recorrente no Rio Grande do Sul. Algumas respostas sobre a identidade do gaúcho foram apontadas no emblemático livro Nós, os Gaúchos (1992), organizado por Luís Augusto Fischer, Sergius Gonzaga e Carlos Augusto Bisson, e que deu origem a uma coleção da Editora da Universidade.
O tema, que volta e meia aparece em publicações, discos ou documentários, ganha agora um ciclo de bates: NósOutros Gaúchos, promovido pelo Instituto Associação Psicanalítica de Porto Alegre (Appoa) e pela UFRGS. Além do nome inspirado no projeto dos anos 1990, a iniciativa também retoma a ideia de chamar destaques de diferentes áreas do conhecimento para debater a identidade regional do Estado. Serão cinco encontros mensais no Salão de Festas da Reitoria da UFRGS (Paulo Gama, 110), com entrada franca. As inscrições devem ser feitas antecipadamente no site do evento.Se a lotação estiver esgotada, é possível escrever para difusaocultural@ufrgs.br para ser avisado de vagas abertas por eventuais desistências.
Com inscrições já esgotadas, o primeiro debate será realizado nesta quarta-feira, às 20h30min. Os professores Donaldo Schüler, Luiz Osvaldo Leite e Tau Golin, a atriz Deborah Finocchiaro e o psicanalista Jaime Betts debaterão a relevância de discutir a identidade regional do Estado. Confira a opinião de alguns participantes de NósOutros Gaúchos sobre por que a pergunta a respeito de quem somos segue em pauta.
Indentidades
Para o intelectual Donaldo Schüler, professor emérito da UFRGS, NósOutros reflete a necessidade periódica que o homem tem de refletir sobre si mesmo:
- É sempre oportuno pensarmos sobre nós próprios, sobre nossa identidade individual ou coletiva. A relação do homem com o mundo e com os outros muda sempre.
A socióloga Sinara Robin, do departamento de difusão cultural da UFRGS, defende que é importante voltar à questão pois o contexto social e tecnológico mudou sensivelmente desde a série Nós, os Gaúchos:
- É um momento em que as sociedades se abrem em rede, fazendo-nos questionar como se dá nossa relação com o que é universal sem dar as costas para a forte tradicionalidade que carregamos.
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Fora do eixo
O debate sobre identidade regional que se dá no RS não se repete igualmente em todo o Brasil. Para Schüler, há motivos claros para que a identidade gaúcha gere tanto debate, ao contrário das identidades carioca, paulista e de outras regiões do país:
- Isso se deve à região que ocupamos. Quem está no centro não reflete sobre sua própria identidade, pois a aceleração no centro é maior. Enquanto isso, nossa preocupação é como nos relacionamos com esse centro, culturalmente representado por Rio e São Paulo. A nossa situação de fronteira acentua essa questão. Desde o princípio, estamos voltados aos países do Prata e ao centro do Brasil.
Daqui para a frente
A profunda identificação cultural do gaúcho com seu passado pastoril pode ter um aspecto negativo, se não for bem debatida. É o que defende o psicanalista Mário Corso:
- O gaúcho acredita que já está pronto para os desafios do século 21 convocando uma fantasia identitária pastoril do século 19, feita no século 20 como defesa contra a globalização. É uma identidade que serve bem para o domingo, para brincar, mas, quando chega a realidade da segunda-feira, a questão de produzir, criar, intervir no mundo real, competitivo e mutante em que vivemos, isso se torna anacrônico.
Tal postura pode trazer consequências negativas nos rumos do Estado.
- Quando o epicentro antropológico de alguém é um galpão de estância, esta coisa rústica e primária, não se compreende nem a complexidade histórica do RS. Aí estamos em um continente de rios e não se faz hidrovias porque o autêntico é andar a cavalo. Isso vai embotando uma série de coisas _ opina o historiador Tau Golin.
Cultura
O apego às formas do passado também pode fazer as manifestações culturais do Estado não se transformarem ou dialogarem pouco com os estímulos externos. Tau Golin aponta que isso é perceptível nos festivais de música gauchesca do Estado:
- Há uma receita a ser seguida. É como um espelho lacaniano: "aqui está sua imagem refletida, você será um autêntico gaúcho na medida em que conseguir ser igual ao que o espelho já representa".
Para Donaldo Schüler, no entanto, o gaúchos conseguem lidar bem com suas origens sem idealizá-las:
- Isso pode variar de um grupo para outro, mas a posição dominante não é esta que procura recuperar um passado que não é presente, e sim criar algo novo dentro dessa tradição.
O intelectual cita como grande exemplo o trabalho do escritor João Simões Lopes Neto:
- Simões Lopes Neto pega o dialeto gauchesco e transforma em uma linguagem literária. Ele não repete modelos do passado, e sim cria coisas novas.