Filho do músico João Bosco e pai de duas crianças, o escritor e filósofo Francisco Bosco usa sua própria experiência familiar para falar sobre a paternidade no recém-lançado Orfeu de Bicicleta. O livro é um ensaio sobre ser pai no século 21 construído a partir de conhecimentos da filosofia e da psicanálise, bem como do aprendizado cotidiano com os filhos Iolanda, três anos, e Lourenço, um ano e meio.
Atual presidente da Funarte, o autor se envolveu recentemente em uma discussão sobre financiamento cultural. Depois de afirmar em entrevista ao jornal Valor Econômico ser contra a captação de recursos via incentivo fiscal por artistas consagrados, foi alvo de críticas da atriz Fernanda Torres em sua coluna na Folha de S. Paulo, dando início a um debate que reverberou em outros veículos. Por e-mail, Bosco conversou com ZH sobre o livro e a discussão.
Em vídeo, repórter do 2º Caderno comenta o livro:
Ao mesmo tempo em que fala com muito afeto sobre filhos, Orfeu de Bicicleta também trata com franqueza das dificuldades de ser pai. Sendo a paternidade muitas vezes idealizada, você não temeu ser mal interpretado e chamado de insensível?
Uma das lições que aprendi com Freud é que as relações humanas são ambivalentes. E mais: quanto mais intensas e importantes, mais ambivalentes tendem a ser. Penso mesmo que pessoas, digamos, imaginariamente saudáveis, só têm o direito de odiar sua família e seu cônjuge. É muita falta de recurso existencial odiar alguém a quem você não está fundamentalmente ligado. Assim, a experiência de pais com seus filhos, quando é de profundo amor e responsabilidade, certamente terá afetos negativos profundos, como o medo (de perdê-los) e a raiva por tantas vezes perder a autonomia.
Como reposicionar maternidade e paternidade em casais homoafetivos?
Penso que devemos caminhar para conceitos neutros quanto ao gênero. Pai e mãe são apenas os genitores dos sexos masculino e feminino. Mas, da perspectiva dos papéis parentais, ambos podem ser "sujeito primordial de referência" e exercer "função de interdição". Isso vale para casais heterossexuais, tanto quanto para casais homossexuais.
Como você encara as tentativas de barrar a adoção por casais homoafetivos?
É uma tolice heteronormativa. Pensar que a heterossexualidade é garantia de boa formação e, mais ainda, pensar que é a única garantia é puro preconceito dogmático. Para o que diz respeito a filhos, nas palavras "heteroafetivo" e "homoafetivo", a parte que importa não é "hétero" ou "homo", e sim "afeto".
Debate expõe contradições do modelo de financiamento cultural
Seu pai, o músico João Bosco, é um ícone da música brasileira. Em sua avaliação, de que modo as peculiaridades do ofício dele, bem como a consequente exposição midiática, influenciaram positiva ou negativamente a sua criação?
Aí entramos num campo que a psicanálise lacaniana chama de "imaginário": a formação do eu, o campo das identificações, das rivalidades. Para resumir: um pai muito reconhecido socialmente tende a criar mecanismos de identificação em que se misturam sentimentos de superioridade (orgulho da filiação) e inferioridade (não gozar do mesmo reconhecimento).
Seu pai também esteve no centro da recente discussão a respeito da destinação de verbas públicas para artistas, quando você o citou como exemplo em entrevista a respeito da captação de recursos via leis de incentivo, logo rebatido por Fernanda Torres. Você conversou com ele sobre o ocorrido?
Não esteve no centro, e sim numa periferia meramente anedótica. No centro esteve a discussão sobre políticas públicas para as artes.
Como você encara a discussão gerada a partir de suas afirmações sobre este tema tão polêmico?
O debate sobre leis de incentivo é complexo, muito mais complexo do que se apresentou em meu breve debate público com Fernanda Torres. Quem o encaminha, no MinC, é a Sefic (secretaria de fomento). O que eu afirmei e mantenho é apenas uma diretriz: a de que o Estado deve agir no sentido de proporcionar maior equilíbrio na distribuição de seus recursos. Como isso se realizará na forma da lei deve ser objeto de discussões complexas, que levem em conta diversos fatores, diversas especificidades, e ainda o contexto econômico delicado em que vivemos.