Talvez você - assim como eu - nunca tenha ido ao Crato, cidade do Ceará que fica na divisa com Pernambuco. Mas de lá veio uma peça sensível e delicada que foi uma das boas surpresas do 10º Festival Palco Giratório Sesc/POA, que ocorre até o dia 31 em Porto Alegre. Produção do grupo Ninho de Teatro, Avental Todo Sujo de Ovo trata de um casal que - cuidado com o spoiler! - recebe o filho em casa depois de uma ausência de cerca de 20 anos. Só que agora ele é um travesti que ganha a vida dublando Clara Nunes, e aí entra o conflito com os pais. O tema, que viraria deboche em mãos quaisquer, é traduzido em um drama intimista de rara maturidade. Mas o desfecho não é muito reconfortante para o filho, agora filha. Há um tema universal aqui: como lidar com a expectativa dos pais quando ela não se coaduna com a vontade dos filhos?
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Tem gente que paga
A crítica e os críticos
A questão já havia aparecido no Palco Giratório no trabalho do ator Thiago Amaral na série Ficção, da ótima Cia. Hiato (SP). Na vida real, o pai de Thiago havia ficado seis anos sem falar com ele por causa da sexualidade do filho. Entre a ficção e a realidade, a peça trata disso, valendo-se da metáfora de um coelho que não pode procriar. Ecoa, em cena, a declaração do pai segundo a qual ele não seria seu "projeto de filho". O fato curioso é que o pai, que não é ator, foi convidado para contracenar com ele - e aceitou. Por causa do teatro, voltaram a se relacionar.
Esses grandes espetáculos certamente nos dão alguma força para ler o triste resultado da pesquisa do Instituto de Psicologia da UFRGS, noticiada em Zero Hora, que mostra que 87% dos alunos da universidade têm algum preconceito contra a diversidade sexual. Prova de que, infelizmente, os ofensores não formam apenas uma minoria barulhenta, mas o futuro da nação.
Coluna
Fábio Prikladnicki: pais e filhos
O colunista escreve quinzenalmente no 2º Caderno
Fábio Prikladnicki
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