O cancelamento da Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo, um dos eventos literários mais tradicionais do país, foi confirmado na tarde desta quarta-feira. ZH conversou com escritores sobre a importância da Jornada e sobre o que o cancelamento representa:
Daniel Galera
Em um momento no qual o debate sobre a relevância dos eventos literários se aviva, a Jornada de Passo Fundo segue sendo, mesmo após o advento da FLIP, o modelo mais desejável para este tipo de iniciativa. O motivo é conhecido de todos que já tiveram algum contato direto com a Jornada: o seu foco na formação de jovens leitores e no incentivo à leitura junto a leitores já interessados. É essa prioridade, manifesta acima de tudo na prática de promover o estudo prévio de obras dos autores convidados e facilitar o acesso dos alunos do interior ao evento, que diferencia a Jornada e transforma o seu cancelamento esse ano em uma amarga ironia quando se considera a propaganda governamental em torno da "pátria educadora", bem como as armadilhas que podem haver nas regras de financiamento privado da cultura com isenção fiscal, que podem beneficiar projetos de apelo comercial já garantido em detrimento de iniciativas de importância estrutural como a Jornada. Para encerrar com um ponto de vista particular, nunca esquecerei do ano em que eu, em momento inicial da carreira, fui convidado ao evento e tive a oportunidade de conversar com um salão repleto de alunos de ensino médio e fundamental que tinham de fato lido e estudado, em grupos, as minhas obras. O interesse deles era imenso, suas perguntas eram inusitadas e atingiam questões específicas dos livros, e era possível ter certeza de que uma parte importante daqueles estudantes leria pelo menos mais alguns livros de literatura dali em diante, já fisgados pelas complexidades e recompensas possíveis da leitura. Espero que uma reação dos governos, empresas patrocinadoras ou mesmo de iniciativas de financiamento coletivo possam salvar a Jornada esse ano ou pelo menos garantir sua continuidade nos anos seguintes, e que outros eventos literários procurem imitá-la no esforço de tornar a formação de leitores e a difusão do livro suas maiores prioridades.
Antônio Xerxenesky
O cancelamento parece ser o sinal de que entramos no fim de uma era - a era do crescimento da cultura letrada no Brasil, da proliferação de eventos de formação de leitores. Nem todo mundo tem a obrigação de gostar de ler, mas o governo precisa estimular a leitura, dar acesso e assim descobrir leitores em potencial. É fundamental a existência de projetos que democratizem o acesso aos livros, e nesse sentido a Jornada de Passo Fundo é um grande exemplo nacional.
Luís Augusto Fischer
Minha opinião é uma desolação. Se de fato a Tânia (Rösing, organizadora do evento) tiver jogado a toalha, é porque acabaram as forças mesmo. Ela já demonstrou muitas vezes que não se assustava com pouco. Acho que as condições de obtenção de patrocínio devem mesmo estar piores no Estado, e, avaliando outra dimensão, me parece que a Jornada perdeu um importantíssimo aliado em Brasília, que tradicionalmente conseguia apoios até a última hora, o ex-deputado Beto Albuquerque, que rompeu com o PT e com o governo federal. Talvez a soma desses fatores seja o ponto central.
Deonísio da Silva
Foi uma iniciativa muito importante, que deve muito ao seu grande criador, o Josué Guimarães. Foi ele quem deu o perfil que depois se consolidou: trazer escritores para aproximar do público. Não que isso fosse importante, mas, ao fazê-lo, aproximava o público do livro. Dos livros deles e dos outros. Não se realizando, é uma perda lamentável. Mas tenho uma heresia para falar. Eu acho que deu tempo já, ao longo dessas décadas, de alterar o modelo da Jornada. De certa forma, o patrocínio nos vicia. Teria que alterar esse modelo. Acho que os eventos que se consolidam, como é o caso, têm que ter uma manutenção semelhante a de um prédio, é uma construção. Por exemplo, uma universidade não pode dizer que não vai mais ter aula porque não é possível fazer um prédio. Não se faz isso. Se faz o prédio. Nos primeiros anos, o evento foi feito sem patrocínio, eu mesmo fui trabalhar lá de graça. Portanto, eu faço essa ponderação. Poderia ter se pensado em uma sustentabilidade que não dependesse tanto dos patrocínios. Eu não gostaria de jogar a toalha, gostaria de conclamar os organizadores a, talvez, só postergar, mas não desistir do evento. Há outras portas a serem abertas. Como dizem os dizem os gaúchos, "não tá morto quem peleia".
Cíntia Moscovich
Mesmo tendo as minhas ressalvas com relação à Jornada, eu lamento muitíssimo. Ultimamente, eu ando me questionando algumas coisas. Por exemplo, a quem interessa que a gente continue escrevendo? Será que a literatura é uma coisa importante para o Estado e para o país? Porque, de repente, a gente está fazendo errado. Dá a impressão de que a literatura e as artes passaram a ser coisas supérfluas. Tu podes cancelar que não acontece nada. Isso é uma lástima.
Mas será que precisa de fato um patrocínio oficial para essas atividades? Será que a UPF não poderia bancar a Jornada?
É o momento pra começar a pensar se cultura é importante para uma nação ou se devo me dedicar a outra coisa. Talvez, não tenha valor algum.
Muitos também se manifestaram por meio das redes sociais:
Posted by Christopher Kastensmidt on Quarta, 20 de maio de 2015
Triste notícia. Foi cancelado um dos eventos mais importantes do país (e do mundo) na formação de novos leitores. A mé...