Em novembro de 2008, Ivan Pinheiro Machado e Ruy Carlos Ostermann inventaram que o Centro Cultural CEEE poderia abrigar todos os que desejavam ver e ouvir Eduardo Galeano. A L&PM trazia Galeano para lançar Espelhos - Uma História quase Universal, e para uma entrevista dos Encontros com o Professor.
O Ivan e o Ruy conheciam Galeano como poucos, mas subestimaram Galeano. Uma multidão passou a pegar senhas para o evento. Tiveram de transferir a conversa para o auditório da Assembleia. Foi no dia 13 de novembro de 2008. Quando cheguei e vi a fila que descia a Praça da Matriz e passava do Theatro São Pedro, pensei: onde vão botar tanta gente?
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Não iriam botar. Os que estavam na fila já eram os retardatários e não entrariam no auditório. E quem estava lá dentro? Jovens, jovens, jovens aos borbotões. Não, não eram os velhos da geração pós-68, que aprenderam a enxergar a História da América Latina de outro jeito, a partir de Galeano. Jovens amontoavam-se nas escadarias.
O uruguaio morreu nesta segunda-feira em sua casa em Montevidéu, aos 74 anos. Galeano já havia, há muito tempo, conseguido um feito raro na literatura: autor e obra ganharam perenidade, apesar das tentativas neoliberais de desqualificá-los. Os jovens queriam ver e ouvir Galeano, e não só ler o que ele escreveu.
Na entrevista, Ruy tentava, compreensivelmente, falar de Galeano. E o uruguaio abria seu caderninho minúsculo, com anotações em letras microscópicas, como se dissesse: eu quero que a minha obra fale. E lia trechos dos seus sueltos:
- Pois bem, quando eu já não estiver, o vento estará, continuará estando.
Galeano hipnotizava. Já havia sido assim no Fórum Social Mundial, em 2001, na fala mais concorrida do evento.
Esse cara enriqueceu muita gente que usou o seu Veias Abertas da América Latina como pretexto para produzir contrapontos medíocres. Diziam que Galeano era demasiado engajado e lírico, que glamourizava selvagens e que, no fundo, queria apenas fazer sua pregação comunista.
Duas semanas antes da sua vinda em 2008, o entrevistei por e-mail. Estava paciencioso e feliz porque, um ano antes, se livrara de um câncer. Respondia o que eu perguntava, eu enviava outras perguntas, ele voltava a responder, sem nunca reclamar da minha insistência.
Por coerência entre literatura e política, Galeano pensou a América Latina na terra que nos deu Mujica. Sem ele, é provável até que um outro nos ajudasse a ler História de um outro jeito. Mas Galeano foi o único a nos oferecer essa História com tanta delicadeza e tanta poesia. Pois bem, seu vento continuará estando.
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