"Na roda de capoeira todo mundo é igual". A afirmação de Luiz Antônio Loreto, 41 anos, demonstra a filosofia que norteia a Associação Capoeira de Rua Berimbau. Na segunda reportagem da série Arte na Rua, o Diário 2 destaca o trabalho do projeto que, há 13 anos, promove a arte e a cultura negra em Santa Maria por meio do esporte.
Também conhecido como Mestre Militar, Loreto pratica capoeira há 26 anos. Tempo suficiente para que uma inquietação o provocasse a mudar os rumos de sua trajetória no esporte. Em 2002, resolveu seguir sua própria filosofia de trabalho, mas mantendo os ensinamentos do ancestral Mestre Biriba.
- Criamos a associação com o intuito de propiciar capoeira para todos. Acreditávamos que ela estava seguindo um viés muito comercial. Então, optamos por criar uma entidade filantrópica, o que permitiu aos alunos ficarem mais tempo praticando o esporte - explica Loreto.
Nas mais de duas décadas dedicadas ao projeto, Loreto viu seus discípulos progredirem a ponto de levar a capoeira para além dos limites do Coração do Rio Grande. Hoje, a entidade conta com filiais coordenadas por ex-alunos em 12 cidades no Estado, duas no Paraná, duas em Santa Catarina e uma na Argentina. Em Santa Maria, são cerca de 200 integrantes, sendo o mais novo com apenas um ano e meio, e a mais experiente com 74 anos.
No ano passado, a Unesco considerou a Roda de Capoeira um Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. Para o pessoal da Berimbau, no entanto, o ritual é levado a sério há bem mais tempo. Orgulhoso, Loreto conta que os encontros semanais na Praça Saldanha Marinho são reconhecidos entre os mais tradicionais do país.
- Só sob o meu comando, ela ocorre há 16 anos sem faltar um sábado sequer. O interessante é que o pessoal sai do trabalho, da escola e chega ali. Como não é uma roda comercial, pode jogar com qualquer roupa, seja de bermuda ou calça social - comenta Loreto.
Prezando sempre pelo cunho agregador, a Berimbau atua também como um importante instrumento educacional. Enquanto alguns integrantes trabalham em projetos sociais "levando a cultura popular para dentro de escolas públicas", o próprio convívio com as diferenças contribui para a quebra de preconceitos. Se as noções de história do Brasil e de cultura afro serviram de incentivo para que capoeiristas se tornassem professores, questões como homofobia, tolerância religiosa e igualdade de gêneros também são cotidianas nos encontros da associação.
Garantindo seu sustento longe da capoeira, todos os professores do grupo são voluntários. Eventos como o marcado para 16 de maio, quando haverá batizado e troca de graduação, são realizados com dinheiro arrecadado com vaquinhas, rifas e almoços. Percebe-se, portanto, que o retorno da associação vem, acima de tudo, da certeza de "formar cidadãos".
- A minha satisfação é ver que aquelas crianças que treinaram comigo, hoje são homens. Alguns casaram, têm filhos, tornaram-se advogados, médicos, pedreiros. Conseguimos fazer parte da vida deles formando cidadãos mais compreensivos e menos individualistas - avalia.
No ano passado, Loreto recebeu o Prêmio Diversidade, entregue pelo governo do Estado. Algo natural para quem trata com a mesma igualdade e respeito jovens em situação de vulnerabilidade social, alunos com necessidades especiais, homens, mulheres, gays, religiosos e ateus.
Capoeira que fortalece as raízes
Inserida em 165 países, a capoeira é considerada uma das maiores divulgadoras da língua portuguesa no mundo. Além das aulas do esporte, na Berimbau, crianças e adultos entram em contato com outros elementos da cultura negra como o samba, maculelê - dança dramática, originada entre os escravos - e outros. Os encontros ocorrem segundas, quartas e sextas-feiras, às 20h, na Casa de Cultura (Praça Saldanha Marinho).