Na sequência do sucesso que foi a exibição de clássicos do cinema em seu primeiro final de semana de atividades (leia abaixo), a restaurada Cinemateca Capitólio apresenta a partir desta terça-feira, com sessão às 17h40min, um grande filme ainda inédito em Porto Alegre: Era uma Vez na Anatólia (2011). Quem o dirige é o turco Nuri Bilge Ceylan, um dos mais celebrados e premiados realizadores contemporâneos.
Vencedor do Grande Prêmio do Júri do Festival de Cannes, Era uma Vez na Anatólia é o tipo de filme que tem na tela grande do Capitólio o espaço ideal para fruição de sua cópia em 35mm. Ceylan, a propósito, é cria de Cannes, onde apresentou seu curta de estreia (Koza, 1995) e ganhou os prêmios de cineasta estrangeiro estreante (Distante, 2002), da crítica (Climas, 2006), de direção (3 Macacos, 2008) e, o mais importante, a Palma de Ouro (Winter Sleep, 2014, que estreia no Brasil em 30 de abril).
Era uma Vez na Anatólia acompanha a procura pelo corpo de um homem assassinado e enterrado nas estepes de uma região rural da Turquia. O réu confesso é o guia da jornada, mas ele não lembra bem onde desovou o cadáver com seu cúmplice. Isso torna exasperante e um tanto tragicômica a busca empreendida por policiais, soldados, um promotor (Yilmaz Erdogane) e um médico legista (Muhammet Uzuner) por diferentes locais no decorrer de uma noite, até o amanhecer.
O resultado dessa busca importa menos do que os elementos que Ceylan ilumina em sua narrativa que segue um rimo contemplativo, ora com faróis de carros, ora com a luz de velas e lampiões. Ao longo de duas horas e meia de duração, o diretor contrapõe em seus personagens e cenários naturais a tradição e a modernidade de um país que, por suas características geográficas e históricas, divide-se entre Ocidente e Oriente, que busca integrar à União Europeia mas tem questões candentes a tratar em suas fronteiras com a Ásia.
Existe ainda um simbolismo no ato de cavar e revelar algo escondido nas figuras do promotor e do médico. Eles ganham destaque em meio a encontros casuais e conversas banais que pontuam a caravana. E, em especial, na enigmática história, contada pelo primeiro, da bela mulher que decidiu morrer logo após dar à luz, episódio fantástico incompreensível à razão do segundo - mas que fará sentido logo adiante.
Essas e outras passagens aparentemente sem maior significado na resolução do suspense formam um conjunto audiovisual vigoroso. Ceylan imprime em seu filme um visual arrebatador e convida o estimula o espectador a ligar os pontos aparentemente soltos que ficam pela caminho. Se trama lacunar parece guiada pela presença da morte, também celebra os prazeres e as coisas simples da vida que brotam nos mais singelos gestos, do rosto de uma bela jovem condenada a murchar em uma aldeia perdida no tempo à proteção que se busca dar ao prisioneiro alvo da ira coletiva.
O espectador interessado em uma experiência cinematográfica um tanto diferente - e mais estimulante - das que entregam o pacote todo amarradinho para empatia e consumo imediato tem em Era uma Vez na Anatólia um programa imperdível.
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Com uma estreia deste porte, os programadores da Cinemateca Capitólio têm como desafio garimpar filmes em 35mm inéditos na Capital e que ainda estão em circulação, visto que o padrão digital DCP - ainda não disponível na sala - se impõe no circuito. E também porque a exibição em Blu-ray ou DVD, recurso adotado por outras salas alternativas, não parece tecnicamente adequada para um espaço com as dimensões (e a tradição cinéfila) do Capitólio. Enquanto buscam alternativas, os programadores da cinemateca adiantam que a exibição de clássicos deve ter continuidade com mais filmes assinados por mestres como Godard, Visconti e Fellini, acompanhados por Bergman e Antonioni.
ERA UMA VEZ NA ANATÓLIA
De Nuri Bilge Ceylan.
Drama, Turquia/Bósnia, 2011, 157 minutos, 14 anos.
Em cartaz na Cinemateca Capitólio, às 17h40min.
Cotação: excelente
Nova chance para as animações gaúchas
Uma multidão compareceu às sessões gratuitas de abertura da Cinemateca Capitólio, no fim de semana. A fila para ver os clássicos A Doce Vida, de Fellini, O Leopardo, de Visconti, e Alphaville, de Godard, dobrou a esquina da Borges de Medeiros com a Demétrio Ribeiro. Diversas pessoas não conseguiram entrar na sala. Muitas ficaram para o debate sobre cinefilia e crítica dos anos 1960, no sábado à noite.
A partir desta terça, o Capitólio inicia sua programação regular, com três sessões diárias a R$ 10 o ingresso. Além de Era uma Vez na Anatólia, serão exibidas duas animações gaúchas de longa-metragem que ganharam o circuito no ano passado: Até que a Sbórnia nos Separe, de Otto Guerra e Enio Torresan Jr., e As Aventuras do Avião Vermelho, que os diretores Frederico Pinto e José Maia adaptaram de Erico Verissimo.