Servi ao exército brasileiro, contra a minha vontade, por dez meses e vinte e nove dias. Contei cada um dos dias. Apesar de estar na universidade, servi na tropa. Limpava banheiros, pagava contas dos oficiais e engraxava meus coturnos de dia; estudava jornalismo à noite. Entrei como recruta - uma condição existencial só um pouco superior à de um cacho de bananas - e saí como soldado reservista de primeira categoria. Robert Heinlein, que foi soldado dos EUA durante a Segunda Guerra, defendia que apenas os cidadãos que serviram à pátria deveriam ter direito de voto. Aqui no Brasil foi um pouco diferente: como era soldado, fui impedido de votar em 1978. Estava muito ocupado limpando banheiros.
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Nem tudo foi tão ruim. Conheci pessoas interessantes, como o soldado Vanderlei, hoje conhecido como Wander Wildner, que se tornou um grande amigo e parceiro de banda (e que, aliás, está lançando seu novo disco amanhã, no bar Opinião). Aprendi - na prática, não na teoria - que os dois pilares do glorioso EB, e também de qualquer organização militar, são as palavras disciplina e hierarquia. Militares obedecem a seus superiores hierárquicos. Militares não questionam ordens. Cumprem ordens. Missão recebida é missão cumprida. Limpar o banheiro e atirar em alguém parecem ser coisas diferentes, mas não são. Basta não pensar. Basta que o soldado pegue o rodo ou o fuzil e faça o que o sargento mandou fazer.
A razão da existência dessas máquinas irracionais é defender a soberania nacional. Países têm exércitos. A História mostra que é melhor tê-los do que não tê-los. O Brasil tem o seu. Fiz parte dele. Mas esta deve ser a única organização militar legal. A História mostra que todo tipo de organização paramilitar baseada nos princípios da disciplina e da hierarquia como normas absolutas é ferramenta para fascistas. Não me interessa se no topo da cadeia de comando está um político, um líder religioso, ou um ateu. O Brasil, na opinião deste veterano da infantaria, deve dissolver imediatamente qualquer coisa parecida com um exército amador, esteja onde estiver. Não se brinca com essas coisas. Sabe o que é ainda mais baixo que um recruta? Ainda mais baixo que um cacho de bananas? Você, meu caro: o paisano.