Diretor do Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs) em duas ocasiões - de 1997 a 1998 e de 2003 a 2006 -, Paulo Amaral volta a comandar a instituição - além de acumular a direção do Instituto Estadual de Artes Visuais (IEAVi).
- Em minha primeira gestão, houve o incisivo e profundo restauro que colocou a entidade na rota das exposições internacionais. Fui convidado a dirigir o Margs por ser artista plástico e também engenheiro civil, então atuante na área. A segunda vez foi a oportunidade em que ocorreram mostras importantes, em geral ancoradas nas leis de incentivo à cultura, que floresciam àquela época.
Entre essas exposições, estão a de tapeçarias do museu francês Petit Palais e a de esculturas de Auguste Rodin, ambas em 2004. Nesta entrevista, o artista plástico, escritor e engenheiro civil de formação fala sobre seu projeto para o Margs.
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Que tipo de perfil museológico o Margs terá?
O Margs é um museu do Estado, devendo, portanto, priorizar a guarda, a conservação e a exposição de seu acervo. Entende-se por acervo não necessariamente aquelas obras produzidas por gaúchos, mas a sua totalidade, conforme os registros de tombamento. Entretanto, o museu que propomos deve abrir-se mais ao grande público, expondo, na medida possível, o seu acervo. O museu deve ser mais acessível, menos hermético e mais democrático. Muitas vezes escuto pessoas que me confessam com até uma certa ponta de vergonha: "Fui a uma exposição e não entendi nada". Respondo-lhes: "O usuário de um museu não está necessariamente obrigado a entender uma exposição. Arte, que é uma imanência sublime, não é para ser entendida, mas para ser sentida". Dou mais um exemplo que remete à natureza deste sentimento. Numa ocasião, eu guiava uma família pelas dependências do museu até que chegamos a um quadro de Gotuzzo, entre os mais enigmáticos do acervo, intitulado Almofada Amarela. Ele retrata um nu feminino deitado sobre um divã com as nádegas voltadas ao primeiro plano. Ao fundo, uma grande almofada amarela completa a composição. Eduardo, este era o nome do menino, então com uns seis anos, ao ouvir o título da pintura, devolveu, quase indignado, com a exaltação: "Mas isso é uma bunda!" Sem querer vulgarizar esta referência, e reitero que ela vinha de um menino que via e sentia aquela obra a seu modo e segundo a sua própria idade, o mais importante é que o usuário possa sentir, fruir e, se possível, interpretar o que vê, segundo a sua própria condição. E museus são também feitos para as crianças. Isso não elide a função acadêmica de qualquer museu no que diz respeito a eventuais programas expositivos em que o estímulo ao pensamento crítico seja levado em conta, mas devemos sempre lembrar que o público em geral não constitui a academia. E que as Bienais, por excelência, cumprem o papel investigativo da arte.
Qual será o conceito do programa expositivo?
Daremos prioridade às obras do acervo, com mostras que permitam a sua exposição de forma rotativa e em que compareçam numa relação entre si. Também será importante a exposição de artistas locais, nacionais e estrangeiros, como sempre ocorreram. As mostras individuais, tanto quanto possível, serão mais breves, possibilitando vida mais intensa ao dia-a-dia do museu.
Como será trabalhado o acervo? Tanto em relação às exposições como nas questões de conservação e aquisições?
O acervo será priorizado. Não concebo um museu que deixe de exibir a "prata da casa", mesmo que esta esteja reunida numa pequena sala. A conservação terá a mesma importância que sempre foi dada pelas sucessivas gestões do Margs, que contém em seu Núcleo de Conservação e Restauro um modelo a ser seguido. A prioridade será de conservação das obras pertencentes ao acervo, mas o museu sempre estará aberto a parcerias com outras entidades que necessitem de aconselhamento nesta área. Aquisições serão consideradas, mas, dada a exiguidade de espaço na reserva técnica do Margs, não serão por ora incentivadas, até que se possa garantir o aumento espacial da área da reserva técnica. Receber uma obra no acervo implica a obrigação de manter a sua integridade. Se não existem condições para tal, melhor não recebê-la. Mas não podem ser desprezadas as doações de obras de artistas incontestavelmente importantes. Há muitas gestões tem-se tentado "conquistar" o vizinho prédio da Alfândega para nele dar-se aumento ao Margs. Essa cessão, por parte da Receita Federal, que sempre se manifestou favorável aos pedidos de sucessivos diretores, todavia pende da construção de um anexo da própria Receita Federal junto ao "Chocolatão", a qual permitirá a desocupação do antigo edifício da Alfândega em favor do Margs. Pelos registros de que dispomos, isso não ocorrerá tão cedo.
O Margs retomará exposições externas, como fez em outros tempos, no sentido de apresentar grandes artistas e exposições de fora para o público local?
Se possível, sim. E é claro que sim. Exposições que vêm de importantes museus nacionais e estrangeiros são culturalmente muito valiosas, tanto por seu conteúdo, em geral rico e expressivo, quanto pelo fato de que movimentam a vida cultural, não só a de Porto Alegre, mas, principalmente, a do Estado, possibilitando a um imenso público o conhecimento de obras a que este nunca teria acesso a não ser que pudesse com relativa facilidade viajar aos locais de onde tais obras se originam. Não devemos nos fixar na autoctonia da arte, e esta é uma lição universal na vida dos museus contemporâneos. E digo "se possível" porque tais exposições têm custos altos, em geral somente suportados pelas leis de incentivo, a principal delas, a Lei Rouanet, apoiada na renúncia fiscal parcial quanto ao imposto a pagar. A situação econômica do país, sinalizando pífio crescimento do PIB, vislumbra, igualmente, um cenário obscuro em relação aos resultados dos balanços das empresas. Esta será a grande dificuldade. Mas tentaremos contornar este óbice administrando parcerias. Este será um grande desafio.
O cargo de curador-chefe será mantido? Haverá curadores do Margs? Ou os curadores serão convidados conforme o projeto?
Primeiramente é preciso repensar a dimensão do termo "curador-chefe" quando há somente um curador. Assim como a designação "Diretor-geral do Margs", quando há apenas um só diretor sobre o qual recaem todas as responsabilidades. Sou favorável à manutenção de um curador no que compete ao regramento de uma lógica de acervo, da análise das lacunas do acervo, enfim; instituto, aliás - e deve-se ser justo quanto a esta referência -, bem estabelecido na gestão recém-finda com a produção de um catálogo geral das obras do museu. Dadas as limitações de orçamento do Estado, entretanto, e considerando que um curador por sua especialidade e conhecimento deveria ser muito bem remunerado, considero a hipótese de contratação, pela Associação de Amigos do Margs, de uma prestação de serviços a cada momento isolado em que se faça necessária a análise de novas aquisições, por exemplo. Esta curadoria poderia ser contratada com um dos curadores recentes, com outros de notório saber, ou ainda junto a um curador honorário, assim como se aplica a um maestro de orquestra convidado. No que diz respeito a curadorias específicas por exposição, isso sempre será respeitado.
Como será trabalhado o setor educativo, que até então funciona em parceria do Margs com a Uergs?
Já estou em contato com a Uergs na pessoa do amigo e professor Igor Simões, que me contatou recentemente sobre este assunto. Trata-se de um trabalho importante para a formação de professores, que o museu pode e deve manter. O setor educativo nas instituições de arte se reveste de papel preponderante, indispensável.
Haverá algum projeto voltado à comunidade artística local?
Em minhas gestões anteriores, o Margs manteve estreita ligação com essas comunidades, em especial a Associação Chico Lisboa, que é a mais antiga delas. A Associação dos Escultores do Rio Grande do Sul, a Aeergs, será igualmente muito bem-vinda, assim como outras. Elas representam o pensamento coletivo de uma classe que produz e representa as artes visuais. Precisamos também avaliar a retomada dos cursos de arte administrados nos torreões. Eles sempre caracterizaram o Margs como uma entidade fomentadora do fazer artístico a partir de mestres renomados como Paulo Porcella, Plinio Bernhardt e outros. Estes cursos sempre receberam o apoio e a administração da Associação de Amigos do Margs, entidade indispensável ao pleno funcionamento das atividades do museu.
Por outro lado, haverá alguma ênfase em nomes históricos da arte gaúcha?
Sim, e isto é fundamental. Vasco Prado e Iberê Camargo, por exemplo, não foram lembrados pelo Estado em seus centenários de nascimento, ocorridos no ano passado. Quanto a Iberê, pela circunstância das profícuas e competentes atividades da Fundação que leva o seu nome, foi devidamente reverenciado. Já Vasco Prado, que foi expoente histórico na escultura, e que foi também diretor do próprio Margs, que acolheu sua última exposição em vida, foi esquecido. Neste ano, Danúbio Gonçalves, um dos integrantes do legendário Grupo de Bagé, completa 90 anos. Como esta gestão se iniciou precisamente na efeméride, não foi possível a organização de uma exposição digna de seu nome. Entretanto, em sua homenagem, expusemos algumas obras de sua autoria já na entrada do museu.
Que tipo de interlocução o Margs terá com o Instituto de Artes Visuais (IEAVi) e o Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MACRS)?
A mais estreita possível. São órgãos da Secretaria da Cultura do Estado (Sedac) e, em sua especificidade, tão importantes quanto o Margs. E, por não terem espaços expositivos suficientes, poderão contar com o Margs para a exibição de suas mostras, sem prejuízo das funções precípuas que caracterizam cada instituição.
Que tipo de parceria o Margs terá com a 10ª Bienal do Mercosul?
A Bienal sempre foi parceira. É preciso lembrar que o próprio Margs acolheu a 1ª Bienal, em 1997, quando eu era diretor do museu. Após a reforma do Margs, foi ela a primeira ocupante de uma magnífica mostra no museu, sob a curadoria de Frederico Moraes. Até a data desta entrevista, desde então, fui diretor e membro do Conselho de Administração da Bienal, função a que ora renuncio por incompatibilidade estatutária. Assim, conheço de perto a importância da Bienal.
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QUEM FICA
Permanecem Eva Sopher (presidente da Fundação Theatro São Pedro), Ivo Nesralla (presidente da Fundação Orquestra Sinfônica de Porto Alegre) e Morgana Marcon (diretora da Biblioteca Pública do Estado, que também assume a coordenação do Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas).
QUEM ENTRA
Além de Paulo Amaral (diretor do Margs e do IEAVi), novos nomes já foram confirmados, como Dilmar Messias (diretor artístico do Theatro São Pedro), Evandro Matté (diretor artístico da Ospa) e Vinícius Brum (presidente do Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore).
NA EXPECTATIVA
A Secretaria de Estado da Cultura (Sedac) não tem prazo para divulgar os nomes dos novos diretores de cerca de outros 20 órgãos, entre institutos, museus e bibliotecas, como a Casa de Cultura Mario Quintana, o Museu Julio de Castilhos e o Museu de Arte Contemporânea. No momento, todos estão sob responsabilidade de interinos.
Fonte: Sedac
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