Fotos: FABIO DEL RE / VIVAFOTO,DIVULGAÇÃO
Esse ambiente de Eu Sou Tu está cercado por Perdão, série de trabalhos em papel que em sua superfície trazem marcas de tijolos decorrentes também da exposição ao sol e à chuva. Neles, Karin acrescentou pequenas cruzes e textos, dois elementos recorrentes em sua produção. Os símbolos religiosos são dourados, e a palavra perdão foi carimbada.
"Schattenwelt", 2014 - Pigmentos em meio acrílico e marcas de pedra sobre lona (180 x 350 cm) "Perdão", 2011 - Recortes e marcas de chuva e pedras sobre papel canson e cruzinha de cobre, 155 x 75 cm
Karin Lambrecht aponta para o biombo que serve de anteparo à obra instalada no fundo da galeria. Pede para que olhe para as lâmpadas através de sua transparência, uma tela que acumulou resíduos por ter ficado mais de um ano no jardim da casa da artista, à mercê de "sol e rajadas de chuva".
- Olha como as luzes desfocam. É um brilho diferente, parecido com o que acontece na neve - diz Karin.
O efeito ótico é uma das referências da poética da artista que compõem Eu Sou Tu, obra inspirada no livro A Montanha Mágica (1924), de Thomas Mann, que integra a exposição Pintura e Desenho no Instituto Ling. Há 13 anos Karin não apresentava uma individual em Porto Alegre. A última foi em 2002, no Margs. Nesse tempo, a gaúcha, um dos nomes de destaque da chamada geração 80, responsável por recolocar a pintura em evidência após a onda conceitual que varreu os anos 1960 e 70, teve mostras em São Paulo na galeria Nara Roesler, pela qual é representada.
Karin, 58 anos, segue fazendo uma pintura ampliada ou expandida, que salta para fora da tela ganhando o espaço como uma escultura ou se unindo a elementos como fotografia, desenho e objetos em forma de instalações - embora a artista não use esse termo. Entre seus trabalhos mais marcantes, estão os da fase em que ela usou sangue de ovelhas no lugar de tintas, a exemplo de Morte Eu Sou Teu (1997) e Caixa do Primeiro Socorro (2005), apresentados na 1° e 5° Bienais do Mercosul - Karin também participou das Bienais de São Paulo de 1985, 1987 e 2002.
Fotos: FABIO DEL RE / VIVAFOTO,DIVULGAÇÃO
Pintura e Desenho traz uma amostra de sua produção mais atual. A obra Eu Sou Tu é inspirada no romance de Mann que acompanha um personagem em visita ao primo em um sanatório em Davos, na Suíça. O cenário de neve trouxe a Karin memórias da Alemanha, para onde foi estudar pintura nos anos 1980. Na galeria, ela armou uma tenda de tecidos toda branca e prendeu em seu interior folhas de papel em que transcreveu o subcapítulo Neve. No chão, um acolchoado de cetim convida o público a entrar e se sentar. Há nesse tecido rastros de tinta das aquarelas que também estão presas por alfinetes.
- Visitei o museu do Paul Klee em Berna, na Suíça, li o livro do Mann, depois um texto da Clarice Lispector que falava das noites brancas e comecei a sentir saudades da neve da Alemanha. Quando vi, estava fazendo este trabalho - conta.
- Esses trabalhos passaram meses no lado de fora de casa. Quando secaram, os fungos morreram, mas algumas manchas e marcas ficaram. Para mim, tudo isso é desenho. Mas o processo é pintura, porque não se consegue ter um controle - diz Karin.
"Encontro", 2013/14 - Pigmentos em meio acrílico sobre lona (180 x 350 cm)
Enquanto a instalação Eu Sou Tu e a série Perdão ocupam a parte interna da galeria, no lado de fora a artista apresenta duas pinturas em grande formato. São trabalhos vibrantes e ao mesmo tempo densos, com indicações novamente de cruzes e presença de breves textos que imprimem um caráter religioso e espiritual, um sentido de vida e morte, que se move a partir da força da simbologia cristã, presente em outras obras da artista.
- Minha pintura não é racional, mas bastante física. Também não é só objeto, porque envolve muitos processos. Às vezes, é puro processo - diz Karin. - A gente não consegue pintar o que imagina, no máximo chega perto.
Nesse sentido, para Karin, a pintura e o corpo estabelecem um embate:
- É um tipo de conversa, como se fossem uma coisa só. Pode não parecer, pois esses processos ninguém está vendo, ou melhor, se tornam visíveis de acordo com o olhar de quem os vê. O que falamos como artista dá pistas para esse mundo interior. Mas não temos controle sobre o modo como o trabalho bate nas pessoas.
Um pouco dessa relação entre corpo e pintura será abordada na fala que Karin fará no dia 14, às 11h30min, no auditório do Instituto Ling, ao lado da crítica e curadora Glória Ferreira. E também nos dois projetos audiovisuais dos quais Karin é tema. Os diretores Hopi Chapman e Karine Emerich estão preparando um curta e um documentário para televisão sobre a artista.
"Pintura e Desenho" - Karin Lambrecht
> Instituto Ling (João Caetano, 440), em Porto Alegre, fone (51) 3533-5700.
> Exposição aberta a partir desta quarta-feira (25/2). Visitação de terça a sexta, das 10h30min às 22h; sábado, das 10h30 às 22h; e domingo, das 10h30min às 20h. Até 10/5. Gratuito.