Vitor Ramil e sua Ana Ruth estão desde terça passada (24) em Londres. Embarcam amanhã rumo à Islândia, onde o livro A Estética do Frio será lançado em islandês pela Sagarana Forlag, editora dirigida por um gaúcho que vive lá há muitos anos. Na próxima sexta (3), cantará milongas no Mengi, movimentado centro cultural de Reykjavík.
Não é insólito o fato de interessarem a um dos países mais frios do mundo as ideias de um latino sobre as particularidades do inverno sulino ante a estética tropical brasileira? Saberemos disso conforme a repercussão do livro - gosto de pensar no imponderável de ser lido por Björk... Mas Vitor também aproveitará para repensar coisas sobre o tema. "O frio da estética do frio é um frio simbólico, vamos ver o que o frio-frio e a distância de casa têm a me sugerir", diz, por e-mail.
A semana na Islândia encaminha para o fim a temporada do casal na Europa, particularmente Barcelona, onde estão desde o início de outubro graças a um pós-doutorado de Ana na área da Linguística. Com a infra garantida, Vitor imaginava passar o tempo compondo e andando de bicicleta pelas ruas planas da capital catalã. Não foi só o que aconteceu. Além de o apartamento ter abrigado visitantes ocasionais (como a família de Luís Augusto Fischer, que vive em Paris), sua presença suscitou vários convites para apresentações. Só em Barcelona, com boa divulgação em jornais e rádios, foram três shows de casa cheia - um deles no Jamboree Jazz Club. Cantou emocionado em Santiago de Compostela, na Galícia, terra de seu avô. Participou de shows de Jorge Drexler, Chico César e do cantautor catalão Roger Màs.
Em novembro, Vitor passou alguns dias em Hamburgo, em busca de "lugares e atmosferas" para o próximo livro, um enredo que cruza a II Guerra com a vida de uma vizinha de Pelotas, antiga revendedora da Neugebauer, que ele conhece desde os tempos de guri. Andou também por Roma e Florença. Mas compôs menos do que imaginava. Ainda assim, deverá trazer definida boa parte do repertório do novo disco. "Hay que grabar discos, hay que escribir libros, hay sobretodo que ser feliz", resume.
Foi importante sair da rotina, tirar seis meses de férias da esquizofrenia brasileira. Andar de bicicleta sem medo de ser atropelado, caminhar pela noite desfrutando a beleza e a segurança da cidade é coisa que não tem preço. "Barcelona é mágica, leve, artística. Se eu pudesse, ficava aqui para sempre. Um dia quem sabe."
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Blues com alma gaúcha
Em minha opinião o melhor letrista do blues brasileiro, Oly Jr. é também o cara que mais identificou esse gênero com o RS. Surgida em 2009, sua milonga-blues é um achado do tipo raro - no disco Milonga em Blue, de 2012, ele se "apropriou" de milongas de Vitor Ramil, Bebeto Alves e Mauro Moraes inserindo-as no novo contexto.
Em Dedo de Vidro, décimo álbum da carreira, que terá show de lançamento sábado próximo na OpenStage (51 3022-6708), em Porto Alegre, Oly centra fogo na guitarra slide e mistura tudo, blues, rock, folk, milonga, com um resultado poderoso e original. Abafado, meio sujo, o som do disco acentua a atmosfera sombria pautada por letras que, mesmo longe de serem otimistas, consideram que desistir não é a melhor opção; e dizem isto com um humor de tempero melancólico que lembra, por exemplo, Bob Dylan. "Sou brasileiro cabreiro/ Cabreiro com a situação/ Tem duas pragas que andam juntas:/ Poder e corrupção", canta em É Mais um Blues em Português. "Desculpe meu filho, o mundo que tu vais encontrar/ Não tá lá essas coisas, mas mesmo assim vamos brincar", canta em Desculpe Meu Filho.
Feito um velho bluesman, Oly gosta de contar causos, muitas vezes com ele no meio. Em Uma Avença, vai a uma encruzilhada "honrar um compromisso" com o "marvado" e acaba encontrando Riobaldo, Blau Nunes e Robert Johnson. Porto Alegre é cenário constante das histórias, como em Muro da Mauá. Oly é ideológico, canta com personalidade. Fazem com ele o CD Otávio Moura (coprodução, bateria), Jacques Jardim (baixo), Jaques Trajano (bateria), Lourenço Gaiteiro (acordeão) e Luciano Leães (piano).
Dedo de vidro
De Oly Jr.
Independente, 11 faixas, R$ 20, inicialmente à venda apenas nos shows. Contato (51) 8425-4596
ANTENA
Nothing Has Changed
De David Bowie
Sai em três versões este "the very best of" que comemora os 50 anos de carreira do Camaleão: CD duplo, CD triplo e vinil duplo reúnem músicas de todos os discos e brincam com a história de que "nada mudou" - os encartes têm a alternativa com o título Everything Has Changed, tudo mudou... Ícone do panteão pop, Bowie nunca passou a ideia de "velho". E as antologias parecem enfatizar isso. No caso do CD duplo (o que eu tenho, 39 faixas), passamos por Space Oddity, Changes, Ziggy Stardust, Heroes, Under Pressure (com o Queen), This is Not America (com o Pat Metheny Group), Dancing in the Street (com Mick Jagger), até chegarmos a duas músicas de The Next Day (2013), primeiro disco de canções novas em 10 anos, e à inédita Sue (Or in a Season of Crime), de 2014, uma espécie de jazz atonal com a orquestra de Maria Schneider que leva Bowie a explorar seus vibratos sessentões. Warner, R$ 65,90
Desvelo
De Andrea dos Guimarães
Depois de 13 anos e dois álbuns como integrante do ótimo trio paulista Conversa Ribeira, a cantora, pianista e compositora nascida em Minas Gerais e formada em Música na Unicamp raspa o cabelo e faz só com voz e piano o primeiro trabalho solo - lançado anteontem no Itaú Cultural, em SP. Conhecedora das músicas brasileiras, Andrea recorta épocas e estilos em canções que se poderia definir como de MPB clássica, com um ou outro "desvio". O disco, "um convite para acessar o interior de cada um", começa com uma composição dela, Ciranda dos Meninos, em vocalize. Tem Começar de Novo (Ivan Lins), Lata dÁgua (Luís Antônio), a caipira Rio de Lágrimas (Tião Carreiro), Retrato em Branco e Preto (Tom/Chico), Asa Branca (Gonzaga), História de Pescadores (Caymmi) e outras. Termina com a surpresa de Cocoon (Casulo), de Björk, também cantada sem letra. Distribuição Tratore, R$ 25.