Discípulo obstinado e mestre tirânico formam uma dupla recorrente no cinema em razão de seu elevado potencial dramatúrgico. Mas são poucas as vezes em que essa parceria resulta em um filme tão afinado e emocionalmente intenso como Whiplash, em cartaz a partir desta quinta-feira no Brasil após encerrar 2014 listado por publicações e críticos referenciais dos Estados Unidos entre os melhores do ano.
Neste segundo longa-metragem que dirige, Damien Chazelle, 29 anos, carrega nos ingredientes que tensionam a relação de aluno e professor de um renomado conservatório musical de Nova York, ambos com suas vidas pautadas pela devoção ao jazz. Andrew Neiman (vivido por Miles Teller) é um jovem baterista que ambiciona entrar para a big band da escola, vitrine para uma promissora carreira profissional. A formação tem como regente Terence Fletcher (J.K. Simmons), tipo colérico que impõe a seus virtuoses rigorosos exercícios musicais, físicos e psicológicos.
Neiman consegue sua chance quando Fletcher identifica nele um talento a ser lapidado a gritos, humilhações e bofetadas. O maestro carrasco defende: somente se forçado a ir além de seus limites o músico excepcional como tantos sobe no estreito degrau da genialidade ocupado por poucos. O apêndice que o título original do filme ganhou no Brasil, Em Busca da Perfeição, reforça esse mantra.
Talvez possa parecer um tanto exagerada a persona do professor ser moldada naquele típico sargentão que submete recrutas a excruciantes provações. No competitivo ambiente musical de Whiplash, porém, o recurso entra em harmonia com a proposta do diretor de sublinhar os aspectos nobres e sombrios que envolvem a busca pelo sublime na criação artística. E ressalta também elementos das personalidades de seus protagonistas para além da esfera musical. E o interessante é que não vemos na encenação enxuta, calcada no grande desempenho dos atores, prospecções psicológicas e edificantes mensagens de superação comuns nos filmes desse modelo que patinam no melodrama raso. Whiplash é um filme emocionalmente cru e duro
Entre suor, lágrimas e sangue, Neiman renuncia à vida social e afetiva para provar que pertence à estirpe de diferenciados. Em sua perseverante jornada para superar um histórico de fracassos familiares, ele adiciona a seu talento com as baquetas arrogância, frieza e deslealdade para se livrar de concorrentes à vaga. Seu embate com Fletcher, que de certa forma é seu duplo motivacional, transcorre sobre partituras de standard jazzísticos como a faixa que dá nome ao filme, Whiplash, de Hank Levy (1927 - 2001), e Caravan, composição de Juan Tizol (1900 - 1984) imortalizada por Duke Ellington (1899 - 1974). Também são destacados na trama mestres como Charlie Parker (1920 - 1955) e Buddy Rich (1917 - 1987), baterista que é idolatrado por Neiman. A destacar que Miles Teller toca bateria de verdade e encarou muitas sessões de ensaio para dar maior veracidade a sua impressionante performance nos tambores.
Whiplash estende o argumento do premiado curta homônimo que Chazelle, ele próprio ex-estudante de música, apresentou em 2013, também com Simmons no papel do professor - algumas sequências se repetem em ambos os filmes. O longa ganhou os troféus do júri e do público no Festival de Sundance e colocou Simmons na disputa do Globo de Ouro de melhor ator coadjuvante, no próximo domingo. Assim como em seu primeiro longa, Guy and Madeline on a Park Bench (2009), o jazz estará outra vez presente no próximo projeto de Chazelle, La, La, Land, sobre um pianista que se apaixonado por jovem atriz.