Birdman, que entra em cartaz nesta quinta-feira, não é o melhor filme da corrida pelo Oscar (este é Boyhood). Mas, dada a antecedência com que estreou seu maior "adversário" na principal categoria da premiação, é o mais badalado e interessante longa do pacotão de indicados que os cinemas estão recebendo por estas semanas. É, também, o mais controverso, pretensioso e ousado título dessa leva - um filme que se adapta a uma porção de adjetivos e sobre o qual dificilmente o espectador ficará indiferente. Tem quem ame, tem quem odeie este que é o quinto longa-metragem do mexicano Alejandro González Iñárritu, o mesmo de Amores Brutos (2000) e Babel (2006).
É mais fácil amá-lo. Isso porque, ao mergulhar na mente atormentada de um ator em busca de reconhecimento (Michael Keaton), Iñárritu joga na tela uma porção de provocações ligadas ao mundo do entretenimento. São comentários às vezes aleatórios, não raro carregados de humor negro, raramente aprofundados pelo roteiro escrito com Nicolás Giacobone, Alexander Dinelaris e Armando Bo (diretor do ótimo filme argentino O Último Elvis), a quem o cineasta se associou após o fim de sua parceria com o roteirista Guillermo Arriaga. Mas não tem tanto problema assim: Birdman é um filme-espetáculo, que pega o espectador menos pelo conteúdo de suas reflexões e mais pelo caráter divertidamente extravagante com o qual as apresenta.
Anárquico, kitsch (desafio: veja o filme e tente não adjetivá-lo), Birdman é um tour de force rodado unicamente com planos-sequência (leia mais abaixo) pelos bastidores de uma peça teatral da Broadway que o protagonista está montando em busca de aceitação de parte da crítica. O público já gosta dele, sobretudo por conta do personagem-título, um super-herói que encarnou no passado e que o transformou em celebridade - mas o que ele quer, de fato, é ser reconhecido como bom intérprete.
Dá para dizer que todas as relações que estabelece, com a filha ex-junkie (Emma Stone), o astro fanfarrão e a atriz insegura que o acompanham em cena (Edward Norton e Naomi Watts) e o produtor que é seu porto seguro (um irreconhecível Zach Galifianakis), têm a função de revelar um pouco de sua personalidade e do universo que o cerca. O filme é de Michael Keaton - e ele lida muito bem com a responsabilidade.
A câmera flutuante que o persegue entre a coxia e o camarim, sem descanso (os poucos cortes são todos disfarçados), transfere para nós a sensação de claustrofobia que o afeta, além de nos empurrar para dentro do espaço e do tempo cênicos. Só que Birdman não é um filme realista: perturbado, o protagonista com frequência assume a persona do herói que certa vez interpretou, usando seus poderes paranormais para derrubar obstáculos e até voar, como se não fosse afetado pela gravidade.
O que Iñárritu quer é brincar mostrando objetivamente imagens que só existem na mente de seu protagonista, velho truque cinematográfico tão em voga na produção contemporânea. Nessa fricção entre o sujeito e sua consciência, o real e sua representação, Birdman encontra seus melhores momentos. Ao dar um passo adiante, carregando de existencialismo esse quadro surrealista, acaba tendo alguns tropeços - ou sendo mal interpretado, se você não entrar no espírito do filme.
Mesmo em suas citações eruditas - Raymond Carver, Macbeth de Shakespeare -, Birdman busca a diversão. Para amá-lo, em vez de odiá-lo, é preciso ter em conta essa premissa.
Câmera no drone
Birdman não é um filme composto de um único plano-sequência, mas todos os cortes entre uma tomada e outra são disfarçados, de modo que o espectador tem a impressão de que se trata de um longo plano de 119 minutos. A câmera flutua pelos bastidores da montagem de uma peça teatral, em alguns pontos passando em espaços muito estreitos, onde só há possibilidade de entrada para as câmeras portáteis pilotadas remotamente (drones). É o caso de uma sequência em que a câmera sai do lado de fora do teatro e passa por entre as barras da grade da sacada do camarim do protagonista. Uma das tomadas que mais chamam a atenção em Birdman é aquela em que o personagem de Michael Keaton fica de cuecas do lado de fora do teatro, em plena Times Square, em Nova York. O diretor Iñárritu o filmou correndo pela rua, com alguns figurantes gritando "Olha, é o Birdman", mas também com muitos turistas e transeuntes que não sabiam o que, afinal, estava acontecendo.
A volta de Michael Keaton
Assim como o protagonista de Birdman, Keaton interpretou um super-herói no passado (o Batman de Tim Burton, entre 1989 e 1992), negando-se a aparecer no terceiro filme da saga (Batman Eternamente, que acabou estrelado por Val Kilmer). Ator cômico em boa parte da carreira, ele já havia ido bem trabalhando com Burton em Os Fantasmas se Divertem (1988), mas, depois da saga do Homem-Morcego, apareceu predominantemente em filmes menos badalados. Entre estes podem ser destacados Minha Vida (1993), O Jornal (1994), Apenas Bons Amigos (1994), Medidas Desesperadas (1998), A um Passo da Glória (2000), Armadilha Internacional (2003) e Má Companhia (2008). Também foi escalado por Quentin Tarantino para Jackie Brown (1997) e ensaiou o retorno que agora se dá com Birdman interpretando o CEO vilão da OmniCorp na refilmagem de RoboCop dirigida por José Padilha e lançada no ano passado. Keaton tem 63 anos e é considerado por muitos fãs o melhor Batman do cinema.
BIRDMAN
De Alejandro González Iñárritu.
Drama cômico, EUA, 2014, 119 minutos.
Estreia nesta quinta-feira nos cinemas.
Cotação: ótimo.