A voz parece que entra rasgando pelos ouvidos e atinge certeira o coração. O tempo presente no verbo "parecer" da frase anterior é intencional: ainda que tenha deixado este plano para um superior - vai saber - nesta segunda-feira, 22, enquanto houver um roqueiro a buscar as décadas de ouro do estilo (1960 e 1970), Joe Cocker não deixará de gritar. Duas gerações de ouvidos sedentos por esse britânico de voz negra foram agraciadas com apresentações ao vivo, aqui mesmo na Capital. Em 1977, no auge da carreira, Joe Cocker passou pela então pequena cidade. Trinta e cinco anos depois, o Pepsi on Stage com ocupação pela metade assistiu a uma nova apresentação, do já coroa, mas não menos destruidor, vocalista. Almas de todas as idades foram lavadas em duas noites que, mesmo separadas por mais de três décadas. Veja a seguir dois depoimentos e as reportagens feitas em ZH sobre os shows. Se você esteve em uma das apresentações de Joe Cocker em Porto Alegre, mande a sua participação por comentário.
Morre, aos 70 anos, o músico britânico Joe Cocker
Leia entrevista dada por Joe Cocker a ZH em 2012
Leia as últimas notícias de entretenimento
Joe Cocker em 1977, por Paulo Moreira, jornalista e apresentador do Sessão Jazz na FM Cultura
"Apesar da forte chuva que caiu durante todo o dia, a expectativa era muito grande para o show de Joe Cocker no Gigantinho naquela terça-feira, 16 de agosto de 1977. Afinal, uma estrela de Woodstock faria seu primeiro show aqui em Porto Alegre, que começava a entrar no circuito das apresentações internacionais. Havia também a esperança de que as notícias de apresentações canceladas, bebedeiras homéricas e desrespeito com o público não se confirmassem. Não foi o que aconteceu. Cocker entrou em palco absolutamente bêbado, confuso e salvo pela banda sensacional, e que tinha dois músicos egressos dos melhores tempos dos Rolling Stones: o pianista Nicky Hopkins e o saxofonista tenor Bobby Keys, ambos lendas no cânone stoniano.
Mesmo assim, Cocker conseguiu cantar seus grandes sucessos: With a Little Help From My Friends, Delta Lady e Feelin' Alright. Mas ficou a impressão de que poderia ser muito melhor. Ao chegar em casa, uma notícia parecia coroar a noite: a morte de Elvis Presley de overdose de barbitúricos. Cocker se salvou dessa, mas não escapou do câncer".
Joe Cocker em 2012, por FêCris Vasconcellos, editora de entretenimento de ZH.com
"Eu era só uma pirralha de coração partido no meio de tantos veteranos do rock naquele 27 de março. Estava lá porque sou fã, mais do que do Joe Cocker, do rock que ele representa - fui criada a leite com Toddy e Beatles -, mas também porque ia, com uma ajudinha da minha amiga Marcela Donini, exorcizar os últimos demônios de um relacionamento conturbado e dolorido naquele show. E não tem voz melhor ao som da qual tirar o Capeta do corpo que a de Joe Cocker. E não tem música melhor pra desencarnar o Coisa-ruim que With a Little Help From My Friends. Não fosse meu coração já partido quando cheguei lá, no entanto, ele romperia em pedaços de ver o Pepsi on Stage quase vazio, ainda que fosse subir ao palco um dos maiores ícones do rock dos anos 1960. Joe Cocker, três décadas nas costas e uns 40 cm na cintura depois da primeira apresentação em Porto Alegre, subiu ao palco tranquilo como um vovô fanfarrão de churrasco no domingo. Até abrir a boca. Daí pra frente, era fechar os olhos e ouvir aquela inconfundível voz, uma banda desconcertante e um hit atrás do outro, remendando acorde a acorde, refrão a refrão, lágrima a lágrima o meu pobre coração partido".