O poeta Manoel de Barros morreu nesta quinta-feira, aos 97 anos, em Campo Grande (MS). Ele estava internado há duas semanas no Proncor, período em que passou por uma cirurgia no intestino. O hospital não divulgou as causas da morte.
Um dos principais poetas brasileiros, ele nasceu em 1916, em Cuiabá. O poeta garantia viver uma nova ascensão para a infância. Um estado de espírito tão forte que, em 2003, ele estreou na prosa justamente com um livro em que iniciava a trilogia sobre sua vida. E, como se tratava de Manoel de Barros, não era um retrato fiel, mas um relato puramente personalizado. Assim, depois de Memórias Inventadas - A Infância, ele lançou Memórias Inventadas - A Segunda Infância.
Mundo Livro: a invenção e a mentira de Manoel de Barros
O tempo, para o poeta, não seguia sua ordem cronológica. O que seria o livro da mocidade transformou-se em segunda infância, que é, convém explicar aos desavisados, a forma como o poeta tratava de sua maturidade. Os textos, acompanhados das iluminuras de sua filha, Martha Barros, percorrem temas vitais da existência, como a descoberta do amor, do sexo e até do comunismo. A linguagem continuava artesanalmente construída, sem se ater a convenções gramaticais ou sociais, mas sempre em busca da simplicidade.
O primeiro livro, no entanto, não foi de poesia, mas também não existe mais. A história de seu sumiço merecia um romance: aos 18 anos, quando vivia no Rio de Janeiro, onde frequentava as reuniões da Juventude Comunista, Manoel pichou as palavras "Viva o Comunismo" em uma estátua. Quando foi procurado pela polícia na pensão onde morava, o futuro poeta não foi preso por conta da intervenção da dona do estabelecimento, alegando ser ele um bom menino e também escritor, autor de Nossa Senhora de Minha Escuridão. Sensibilizado, o chefe da operação decidiu não prender Manoel, mas também resolveu ficar com o exemplar do livro.
O primeiro poema nasceu quando ele tinha 19 anos, e a estreia literária de fato aconteceu com Poemas Concebidos sem Pecado (1937), feito artesanalmente por amigos numa tiragem de 20 exemplares mais um, que ficou com ele. O livro garantia sua inserção entre os modernistas.
Na década de 1960, voltou para Campo Grande, onde passou a viver como criador de gado, sem nunca deixar de trabalhar incansavelmente em seus versos. Longe dos grandes centros, demorou para ser reconhecido como grande poeta, mesmo publicando diversos livros.
Somente na década de 1980, quando foi elogiado por Millôr Fernandes, é que Manoel de Barros tornou-se conhecido no eixo Rio-São Paulo. Em 1987, ganhou o prêmio Jabuti por O Guardador de Águas. E, em 2002, O Fazedor de Amanhecer, livro infantojuvenil do poeta, foi eleito a melhor obra de ficção do ano anterior.
"Como todo velho, sou uma criança nova e, com a memória mais aguda, relembro todos os bons momentos que vivi como menino. Enxergo o mundo agora de maneira mais inocente", justificava. Leitor dos sermões do padre Vieira, hábito que o ensinou, ainda jovem, a admirar a formação e utilização das palavras, Manoel de Barros mantinha, enquanto a saúde permitia, o mesmo ritmo de trabalho: todos os dias, às 7 horas, dirigia-se ao andar superior de sua casa, onde se encontra o que chamava de "escritório de ser inútil". "Lá, fico horas consultando dicionários etimológicos, descobrindo a origem das palavras, buscando motivação", afirmou ao Estado, em 2002. "Garanto que é uma viagem melhor que qualquer outra de avião."