"Radamés era uma alma adiantada, um espírito avançado, um precursor que escrevia música para o futuro. Um pai. Não só tinha talento, como era um homem muito generoso."
Com essas palavras, Tom Jobim comemorava, em 1991, darem o nome de Radamés a uma sala do Auditório Araújo Vianna, pertinho de onde o maestro nascera, em 1906 - no mesmo 27 de janeiro que deu ao mundo Mozart e Waldir Azevedo. Radamés começou a estudar piano aos três anos e tinha nove quando ganhou uma medalha do Cônsul da Itália. Seu mérito: reger uma orquestrinha de seis músicos em (pasme!) arranjos escritos por ele.
Radamés formou-se em piano em 1924, com grau máximo e Medalha Araújo Vianna, de ouro - era o aluno preferido do renomado pianista e educador Guilherme Fontainha, que lhe levou para um concerto consagrador no Rio, na Escola Nacional de Música. Aí, ao contrário do que dizem suas biografias, pirou sim o cabeção com Ernesto Nazareth, mas não no cinema Odeon, e sim vendo o genial compositor tocar em uma loja de música. Descobriu que a música popular que fazia de brincadeira com os amigos em Porto Alegre (tocava bem cavaquinho e violão) podia atingir aquele nível a que Nazareth chegara.
Em 1930, pouco depois de estrear como compositor num concerto no Theatro São Pedro, embarcou com o pelotão do Tiro de Guerra nº 4 para defender as hostes getulistas na Revolução de 1930. Estava em Florianópolis quando a revolução acabou. Mas seguiu em frente. Por causa das contas a pagar, a música popular brasileira ganhava um gênio.
Não foi difícil arrumar emprego em algumas das mais prestigiadas orquestras de baile cariocas. Contratado como pianista pela RCA Victor, gravava na orquestra de Pixinguinha. E montava seu primeiro grupo: o revolucionário Trio Carioca. Em outubro de 1939, saiu a gravação de Francisco Alves para Aquarela do Brasil com aquele definitivo e magistral arranjo radamélico que o tornou o mais solicitado, prestigiado e imitado de uma geração de arranjadores.
Paralelamente a seus empregos, escreveu música erudita e popular. Choros e valsas em muitos casos mais sofisticados que qualquer coisa da futura bossa nova. E concertos e suítes - a música que ele acreditava ser a essência de tudo o que pretendia. Obras-primas como a Suíte Popular Brasileira para Violão Elétrico e Piano, gravada em 1953 com o violonista brasileiro Laurindo de Almeida. Ou a Suíte Retratos, para bandolim, conjunto regional e orquestra de cordas, de 1956 - divisor de águas no choro.
Ao longo da década de 1960, com a decadência do rádio ao vivo, Radamés perdeu seu grande veículo de projeção. Talvez nem tenha se dado conta, já que escrevia muita trilha para cinema (cerca de 50 filmes) e música de concerto. Em 1968, voltou pela primeira vez à sua cidade natal para um compromisso profissional: o Festival Radamés Gnattali, com a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre regida por ele.
No final da década de 1970, Joel Nascimento lhe pediu uma adaptação da Suíte Retratos para grupo regional. Para tocá-la, nasceu a Camerata Carioca. O velho maestro empolgou-se tanto com a jovem turma que resolveu tocar junto. Retomou a carreira gravando um disco atrás do outro. No auge da animação, às vésperas dos 80 anos, uma isquemia cerebral lhe paralisa o lado direito. Obstinadamente, reaprende a falar, escrever, compor e tocar. O pessoal do quinteto se animava para um show em comemoração aos 80 anos quando uma segunda isquemia o derrubou. Foi morrer só no dia 3 de fevereiro de 1988, depois de uma longa agonia de mais de um ano. Uma de suas últimas frases foi dita ao sobrinho músico Roberto Gnattali:
- Porra, Roberto, agora que tava ficando bom
*Músico, jornalista e diretor musical do concerto em homenagem a Radamés Gnattali
UNIMÚSICA 2014
- Radamés Gnattali intepretado por Olinda Allessandrini, Oscar Bolão, Zeca Assumpção, Toninho Ferragutti e Paulinho Fagundes. Direção de Arthur de Faria.
- Quinta-feira, às 20h, no Salão de Atos da UFRGS (Paulo Gama, 110).
-O ingresso é um quilo de alimento não perecível. A troca pode ser realizada das 9h às 8h, no mezanino do Salão de Atos da UFRGS.
Próximos concertos
- 4 de setembro - Barbosa Lessa por Yamandu Costa e Camerata Pampeana do Maestro Tasso Bangel. Direção de Renato Mendonça.
- 2 de outubro - Octávio Dutra por Hamilton de Holanda e Regional Espia Só. Direção de Rafael Ferrari.
- 23 de outubro - Nei Lisboa por Ná Ozzetti e Camerata Unimúsica. Direção de Vagner Cunha.
- 6 de novembro - Armando Albuquerque por Celso Loureiro Chaves, Mirna Spritzer e convidados. Direção de Celso Loureiro Chaves.
- 27 de novembro - Vitor Ramil por Chico César.
- 4 de dezembro - Lupicínio Rodrigues por Adriana Calcanhotto.
O maestro, o pianista e o arranjador
Radamés Gnattali abre nova série do Unimúsica
Música terá sua obra relembrada, nesta quinta-feira, no Salão de Atos da UFRGS
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