Um resumo apressado de F pode descrever um thriller de suspense: garota se infiltra na equipe de uma produção cinematográfica com objetivo de assassinar o diretor em ação - o cultuado Orson Welles. Não está errado, mas incompleto. O terceiro romance de Antônio Xerxenesky é muito mais do que a empolgante saga de uma matadora de aluguel.
Em seu livro recém-lançado, o escritor gaúcho radicado em São Paulo conta a história de Ana, uma carioca que, ainda na adolescência, descobre ter um talento incomum com armas. Ela logo passa a explorar esse dom, como uma arte a ser aprimorada. Ana que ser a assassina perfeita.
A jovem, então, é contratada para dar fim em Orson Welles (1915 - 1985), diretor de clássicos como Cidadão Kane e Verdades e Mentiras - o título do livro remete a este último filme, chamado originalmente de F for Fake. Mas Ana já não consegue agir com a frieza costumeira, e o romance se mostra algo mais do que rápido entretenimento, questionando a função das artes e a possibilidade de viver sem vínculos mais estreitos, como tenta a protagonista. Talvez a mudança de rumo gere desconforto ao leitor, mas Xerxenesky afirma que o risco vale a pena:
- F começa parecendo um livro supercomercial, mas vai acumulando uma série de frustrações de expectativas ao longo da leitura. Às vezes, é preciso dizer "dane-se" e não fazer só o que o leitor espera.
Ainda que a trama gire em torno de Welles, figura atuante desde os anos 1930, a trama se passa na década de 1980. De filmes como De Volta Para o Futuro, às bandas Joy Division e New Order, as referências permeiam a narrativa: se algumas parecem mais sinalizar o assumido entusiasmo de Xerxenesky pela cultura oitentista, outras iluminam os conflitos de Ana.
F expõe a inventividade que faz de Xerxenesky um escritor em carreira ascendente - aos 29 anos, ele terá seu romance Areia nos Dentes (2008) lançado em francês e espanhol ainda em 2014. Ao casar reflexões sobre o papel da arte na vida das pessoas e sobre as interações que reiteram nossa própria humanidade com uma prosa envolvente, que conduz o leitor sempre ao capítulo seguinte, F é mais um candidato a chamar atenção dentro e fora do país.
Matadora pós-moderna
Grande parte de F se passa em Paris, onde a protagonista Ana pesquisa filmes de Orson Welles, e em Los Angeles, cidade em que pretende assassiná-lo. Mas Antônio Xerxenesky também trata da infância e da adolescência da personagem no Rio de Janeiro sob regime militar. Ela pouco se interessa por debates entre direita e esquerda, dedicando-se apenas ao ofício de matar. A postura de Ana prenuncia um pouco do sentimento vivenciado pela geração do autor, que abandona as ideologias em nome de realizações pessoais. O autor, no entanto, vê essa postura com olhar crítico:
- Sou uma pessoa realmente muito diferente da narradora, não concordo com o pensamento político dela de modo algum. Mas acho que ela retrata um sentimento de geração, uma dificuldade de se engajar, de acreditar que um mundo melhor é possível. Acho que isso pode ser um pouco perigoso: não é à toa que Ana é uma assassina de aluguel. Se ela conseguisse acreditar em algo, talvez não levasse uma vida com essa.
A perda da esperança nas transformações sociais e a dificuldade de Ana em criar vínculos mais sólidos remetem às críticas à pós-modernidade de teóricos como o polonês Zygmunt Bauman, autor de Modernidade Líquida.
- Não pensei muito nessas questões, mas elas estão internalizadas em mim, já passei muitos anos interessado nesses debates - conta o autor.
F
Antônio Xerxenesky
Romance, Rocco, 240 páginas, R$ 27,50 e R$ 18 (e-book).
Cotação: 4 de 5 estrelas