Reynaldo Gianecchini, 41 anos, tem trabalhado de domingo a domingo. Cogita tirar férias prolongadas no ano que vem, mas por enquanto tem se desdobrado incansavelmente para conjugar as gravações da novela Em Família, de Manoel Carlos, com a peça A Toca do Coelho, em que atua ao lado de Maria Fernanda Cândido, com direção de Dan Stulbach. Após temporadas em São Paulo e no Rio, o espetáculo chegou ao Festival de Curitiba no fim de semana passado. Em setembro, a produção estará em Porto Alegre.
Na capital paranaense, Gianecchini conversou com ZH sobre os desafios da carreira e da vida pessoal. Entre outros assuntos, falou sobre o trabalho de interpretar, na TV, um personagem com doença cardíaca. Em 2012, o ator se recuperou de um câncer no sistema linfático.
Zero Hora - Para um ator considerado galã de TV, é difícil ter que provar qualidade com um trabalho no teatro? Ainda há uma espécie de cobrança ou até preconceito?
Reynaldo Gianecchini - Venho respondendo essa pergunta há 13 anos. Estreei muito verde, e aí parece que você tem que correr atrás do prejuízo. Na verdade, acho que o ator tem que estar sempre correndo atrás. Jamais serei aquele ator que está confortável. Vou sempre buscar o exercício, fazer aulas, aprender de alguma forma. Por isso, gosto de fazer sempre muito teatro, porque acho que é o espaço perfeito para o ator se desenvolver, mais do que os outros veículos. Então, não penso mais nesse negócio da cobrança. A cobrança é minha, porque eu quero crescer como ator. Acho que sempre tem preconceito. Mas isso, para mim, passa bem longe, não levo em consideração. Foco sempre no meu trabalho: o que eu quero, o que é importante, o que quero desenvolver, o que quero fazer para desenvolver na minha vida pessoal e profissional. As opiniões das pessoas são diversas, e nunca levo muito em consideração. No meu trabalho, tenho feito muito teatro, intercalado com televisão _ que é um exercício bacana _ e um pouco menos de cinema. Mas levo muito seriamente a minha profissão. Gosto dessa profissão de ator, que acho difícil. Por isso, estou sempre em exercício.
ZH - Recentemente, um ator de televisão (Caio Castro) deu uma declaração polêmica segundo a qual não gostava de ler, nem de ir ao teatro. Esta pode ser uma opinião representativa de uma nova geração de atores que está chegando?
Gianecchini - Acho que temos que respeitar todo mundo. Conheço atores muito bons que nunca fizeram teatro. Não é que tem que fazer teatro. Acho o teatro um espaço muito bom para você crescer como ator, mas respeito aqueles que não gostam. Conheço vários atores que não gostam sequer de assistir a teatro e não querem se exercitar lá. Tudo bem, terão que descobrir o caminho deles, exercitar-se na televisão e tentar aprender lá ou com outras escolas. Respeito pra caramba. A Glorinha Pires, por exemplo, é uma excelente atriz que cresceu fazendo televisão e aprendeu lindamente esse ofício. Tem pessoas que se desenvolvem de outra forma. Então, vamos respeitar.
ZH - Na novela Em Família, seu personagem tem uma situação de doença cardíaca. E você passou por um tratamento de câncer. É difícil fazer esse tipo de papel?
Gianecchini - Não tem nada de difícil para mim (neste papel). Nem na minha vida pessoal foi difícil falar da doença ou encarar de frente. Temos que desmistificar um pouco. É possível mostrar o outro lado de você estar doente. Não sei como o Manoel Carlos vai abordar essa história da doença, mas espero que seja mostrando que também tem muita coisa que podemos aprender por trás disso, sem fazer drama, sem deixar aquilo acabar com qualquer possibilidade de você crescer. Então, não tenho problema nenhum de fazer (o papel).
ZH - Você vai buscar algo da sua experiência pessoal para compor o personagem?
Gianecchini - Não sei como vai ser desenvolvido. A minha história pessoal foi de muita tranquilidade, de encarar o desafio e olhar de frente, de não fazer drama. Meu personagem não é muito por aí. Ele meio que rejeita, fica quase revoltado durante alguns momentos. Acho que o que eu posso usar realmente é a fragilidade. Qualquer doença te coloca em um momento de fragilidade. Você entra em um estado emocional que te fragiliza e te põe em contato mais com você mesmo. Isso eu tive, e acho que o meu personagem tem também. Isso eu posso usar. Mas, de resto, acho que vai ser bem diferente.
ZH - Você acredita que a novela tenha uma função social no sentido de ajudar pessoas com problemas parecidos?
Gianecchini - Acho que, em um país onde as pessoas leem muito pouco e vão muito pouco ao cinema e ao teatro, a novela _ se forem levados a sério alguns temas _ pode desenvolver uma discussão boa. Várias novelas foram importantes para fazer chegar à massa popular temas que, de outra forma, talvez não chegassem tão intensamente. Então, acho que, se levado a sério o assunto, e não abordado tão superficialmente, pode sim ajudar.
ZH - O jornalista Guilherme Fiuza publicou, em 2012, uma biografia sua. Como foi essa experiência?
Gianecchini - Na verdade, viver é uma grande aventura. Quando tive essa história minha até os 40 anos escrita, percebi que é muito louco você constatar quanta coisa viveu, quantas viradas teve. Serviu para colocar a mão na consciência. Como é louco viver, como a vida é rica e como tudo é muito passageiro e rápido demais. Não sei quanto tempo ainda vou viver e não fico pensando nisso. O Fiuza é um excelente jornalista. Fiquei com a sensação de que ele poderia escrever a história de todo mundo, fazendo parecer uma história bonita, porque ele escreve muito bem. Ele pode fazer isso, mas desde que a pessoa tenha coragem. Acho que o grande requisito para você ter uma história legal para contar é ter coragem para viver a vida e topar a vida, sem ter medo de viver as coisas. Sou um cara corajoso nesse sentido. Topo os desafios, pago para ver, vou em frente. Não gosto de ficar de costas para a vida, cheio de medo e de pudores.
ZH - Não ficou com medo de que o livro parecesse um obituário?
Gianecchini - Nem um pouco. Essa coisa da morte, para mim, é muito desmistificada. Não tenho medo da morte. A morte está aí para todo mundo. Não fico pensando se vai ser amanhã. Penso no tempo que tenho de vida e quero que seja de verdade, calcado nas coisas em que acredito.
ZH - Como você tem conjugado as temporadas da peça e as gravações da novela?
Gianecchini - Estou trabalhando de domingo a domingo há muito tempo, sem folga nenhuma, o que tem sido mais ou menos uma constante na minha vida. Tenho trabalhado muito nos últimos anos, principalmente depois que voltei do meu tratamento. Fico com muita vontade de trabalhar. Está sendo bem difícil, porque essa novela que eu faço é difícil de organização. Não é uma novela em que os textos chegam muito antes. Chegam meio em cima. Está sendo bem difícil pra mim, mas está bom, estou feliz. Adoro essa peça e estou gostando de fazer a novela também.
ZH - Já tem novos projetos?
Gianecchini - Não. Neste ano, já tenho tudo fechado até dezembro. Para o ano que vem, não pensei em nada. Talvez eu tire muitas férias, estou pensando nisso.
*Viajou a convite do Festival de Curitiba