O primeiro plano de Eu, Mamãe e os Meninos é carregado de simbolismo. Diante do espelho do camarim, o ator francês Guillaume Gallienne tira a maquiagem para entrar em cena no palco da Comédie-Française, companhia teatral fundada em 1680. Vai contar à plateia, de cara limpa, sua própria história, marcada pelo conflito de identidade sexual que viveu na infância e na juventude. Guillaume, 42 anos, é um dos mais brilhantes talentos revelados naquele templo da dramaturgia francesa.
Já com distribuição assegurada no Brasil (mais ainda sem previsão de estreial), Eu, Mamãe e os Meninos pode ser conferido na programação do Festival Varilux, que apresenta no país filmes franceses de produção recente. Na Capital, tem sessões nesta sexta-feira, às 19h30min, no Cinespaço Wallig, e no sábado, às 19h35min, no Espaço Itaú.
Eu, Mamãe e os Meninos nasceu como um monólogo autobiográfico para o palco, em 2008, que Guillaume decidiu retomar com maior ambição narrativa no seu primeiro projeto como diretor de cinema. O resultado foi consagrador. Fenômeno de bilheteria em 2013 na França, o longa-metragem foi o grande vencedor do César, principal prêmio da cinematografia francesa, com, entre outros troféus, os de melhor filme e ator.
Reconhecimento justo. Eu, Mamãe e os Meninos está acima da média das comédias francesas que chegam ao circuito brasiliero com status de "filme de arte" para um público cada vez menos disposto a maiores estímulos e provocações.
O tom confessional é centrado na relação de Guillaume com sua mãe, não por acaso vivida com muita competência por ele próprio. Ao mesmo tempo exuberante, afetuosa, vulcânica e distante, a figura materna é para Guillaume, desde sua infância, um espelho no qual ele se reflete e se projeta. A mãe compreende que o garoto franzino e sensível é diferente dos dois irmãos mais velhos, parceiros do pai nas atividades, digamos, mais viris.
Essa diferenciação é explicitada na maneira como a matriarca chama a prole para as refeições: "Meninos e Guillaume, à mesa!", título original do filme (Les Garçons et Guillaume, à Table!). Ser tratado como garota o faz acreditar ser mesmo uma e assim ele toca a vida, obcecado por figuras femininas que admira e imita.
A família abastada permite a Guillaume passar uma temporada na Espanha, onde aprende a dançar flamenco, ir para um internato no qual passa por apuros com valentões e, numa reviravolta iluminadora, estudar numa chique escola da Inglaterra, na qual é aceito e tem sua primeira grande desilusão amorosa.
Como diretor, Guillaume explora com delicadeza e graça o conflito decorrente dos questionamentos que irão surgir acerca da real identidade sexual do personagem. Como alguém brinca, ele, nesta dramatização do real, apesar das aparências, gosta e entende tanto de mulher que deve ser "lésbica". E descobrir qual é a sua, afinal, destaca o filme, faz parte do amadurecimento e das escolhas possíveis num ambiente de liberdade, tolerância e respeito.
- Escrevi porque era uma boa história, não para expor minha vida. Para isso, já gastei um bom dinheiro com psiquiatras - disse Guillaume, em entrevista à Agência Folhapress. - Como eu interpretava todos os personagens, não conseguia aprofundá-los no palco. No filme, desenvolvi também a passividade do personagem, que permitiu que ele fosse tão influenciado pela mãe como eu fui. No consultório do psiquiatra, lembrei da frase do título, que virou uma piada entre meus amigos. Ela serviu de base para tudo.
O Festival Varilux exibe até 16 de abril em diferentes cidades do país 15 longas-metragens inéditos no circuito brasileiro. Confira aqui informações sobre os títulos e a programação na sua cidade.
Veja o trailer do filme (com legendas em português)
Veja trechos da peça original (em francês)