A Sala P.F. Gastal não tem dado fôlego aos cinéfilos como ponto de exibição em Porto Alegre de filmes dos mais relevantes. O empenho com a qualidade da programação se soma ao zelo de buscar no centro do país cópias em película 35mm - enquanto elas ainda existirem, são a melhor opção de exibição até a migração para o suporte digital de alta performance, em que pese o bom serviço prestado pelo DVD e, sobretudo, pelo Blu-ray.
Depois de O Estranho Caso de Angélica, do centenário Manoel de Oliveira, e antes da grande mostra com destaques da nouvelle vague checa, a partir de 29 de abril, está em cartaz da Sala P.F.Gastal Na Neblina, vencedor do Prêmio da Critica no Festival de Cannes de 2012.
Na Neblina é o segundo longa de ficção do bielorrusso Sergei Loznitsa após Minha Felicidade (2010). Se no título anterior o diretor embaralhava eventos do passado e do presente para iluminar o histórico de violência e desencanto que parece traduzir um estado de espírito erguido e desintegrado à sombra do império russo e da antiga União Soviética, em Na Neblina o círculo é mais delimitado, mas não menos impactante.
A trama se passa na II Guerra, na região da Bielorrússia sob ocupação nazista. Ali, o ferroviário Sushenya (Vladimir Svirski) vive um calvário após ser preso, junto com três colegas, sob acusação de sabotagem de uma linha de trem. Por ser o único poupado da execução, ele é tratado como traidor e vira alvo dos integrantes da resistência soviética Burov (Vlad Abashin) e Voitik (Sergei Kolesov).
Em flashbacks, são mostrados fatos vividos pelos três homens antes do episódio, recurso que destaca a complexidade do julgamento moral em situações extremas e o quanto podem ser movediças as relações entre opressor e oprimido na luta pela sobrevivência. Em um ambiente como aquele, destaca Loznitsa, no qual ainda ardem cicatrizes dos séculos de sangrentos conflitos, ocupações e recortes territoriais, o vizinho solidário de hoje pode ser o carrasco cruel de logo adiante, conforme soprar o vento.
Na II Guerra em particular, aquela região esteve entre o assalto alemão, servindo de corredor de passagem das tropa de Hitler rumo à Rússia, e movimento inverso do Exército Vermelho em direção à Berlim. Alianças colaboracionistas com o inimigo eram providenciais, como destaca o filme, por exemplo, na postura do chefe de Sushenya e dos conterrâneos dele recrutados como cães de guarda dos nazistas.
A neblina referida do título se faz presente como um espectro para embaralhar a percepção do real por entre o pesadelo da guerra e também para dificultar que alguém ali encontre o caminho da redenção. E é muito forte também a imagem de Sushenya a carregar no decorrer de sua provação o peso das escolhas que fez e dos movimentos sobre os quais não tem nenhum controle.