"Eu me chamo Leontina das Dores, das Dores Maria Leontina. De amores que sempre findam, das dores que não terminam..."assim cantou Rosa Maria nos versos de Luiz Coronel. "Maria, Maria é um dom, uma certa magia, uma força que nos alerta, uma mulher que merece viver e amar como outra qualquer do planeta..." cantaram Elis e Mercedes Sosa com a poesia de Fernando Brandt e melodia de Milton. E quantas outras mulheres já foram cantadas na América Latina? Na música brasileira, gaúcha, argentina?
Há poucos dias, fui convidada a fazer parte do júri de um festival de música em que o tema deveria ser a mulher. Fizemos a triagem e confesso que esta questão mais uma vez veio à tona.
Não é à toa que neste dia 8 de março divido com vocês questionamentos presentes em meu cotidiano de artista mulher no universo regional gaúcho, considerado machista por muitos. Aliás, essa é sempre uma pergunta presente quando me indagam sobre minha carreira de cantora, e agora, como a primeira mulher a apresentar o Galpão Crioulo.
Nunca fui de levantar bandeira feminista. Nem creio que mereça algum lugar especial por ser mulher. O que me intriga é entender por que o cancioneiro gaúcho versa pouco sobre um universo tão lindo, e já tão além da cozinha e do fogão.
Na triagem de tal festival fiquei, de certa maneira, preocupada. Depois de tantas canções sobre mulheres que foram à guerra, que esperaram seus maridos, que perderam seus amores e filhos, os "homens que nos compõem" parecem estar muito distantes da nossa realidade. Não consegui enxergar-me em quase nenhuma das canções que escutamos (eu e mais quatro juradas). É como se uma figura de mulher romanceada permanecesse na poesia de quem escreve.
Que mulher gaúcha é esta que enxergam? Que segue na volta das casas, à espera de alguém, de um amor que a conduza, sem ser protagonista de nada? Será que para ser poema de canção regional a mulher deve manter um papel apático? Que mulher é essa que não tem nada a dizer, a transformar, a transgredir? Será que na ausência dos nossos "Chicos Buarques", gurias, aquele que conseguiu enxergar no nosso mais íntimo, vamos ter que sair de caneta em punho para versar sobre quem realmente somos?
Ficam o alerta e o desabafo. E o desejo de ver o universo feminino cantado em sua complexidade. Talvez esse seja um bom presente de Dia da Mulher!