O que se leva na alma é o que se carrega pela vida afora. A luz de cada manhã é outra a cada manhã.
É o que sinto ao olhar o azul deste dia aqui em Passa Passa Quatro.
Em algum lugar do mundo, descobriram que há um dia mais triste que todos os outros. E se pudéssemos transformá-lo em um dia tão alegre que pareça inverdade?
Minhas divagações se interrompem quando meu sobrinho avisa:
- Estou grávido!
E desde quando ainda se fazem filhos neste mundo louco?
Depois reflito: cada criança é uma ponte para o amanhã. É quem pode transformar os dias. É a esperança de que nossas cascas se desprendam e possamos ser pessoas melhores.
Abraço meu sobrinho com afeto: sinto-me feliz, muito feliz.
Esta que se anuncia há de chegar com uma lua tão cheia que não haverá diferença entre a noite e o dia. E a música há de soar pelo horizonte numa cascata de sons.
Esta que chega encontrará tempos confusos. Ásperos. Amargos. Mas ela saberá o que se deve ou não carregar na sacola para se precaver dos perigos.
Saberá o caminho verdadeiro para ensiná-lo aos que se defrontam com o imponderável. Esta que se anuncia deixará um rastro pelo qual a vida se justificará.
Quando ela me visitar em Passa Passa Quatro eu lhe ensinarei a lerdeza das tardes, a maciez das águas do arroio, o majestoso na sombra da figueira. Eu mostrarei a ela a suavidade do espreguiçamento do Dom Luís, o trote maneiroso do Mancha e o voo descompromissado dos pássaros em busca da noite. Tudo ela guardará em seus olhos de curiosidades e levará em seu coração de encantamentos.
É que os velhos são assim: resguardam as esperanças e as delicadezas. Prezam as lembranças e o futuro. Criam expectativas e carinhos.
Velhos são cacimbas de água fresca aonde as crianças vêm matar a sede nas tardes quentes de verão. Ela virá também, não tenho dúvidas. Eu a tomarei nos braços e hei de contar-lhe histórias. De uma pássara, penas de seda, olhos de luz, trinados de festa. Uma pássara que se fez menina, linda, linda, e veio fazer ninho em nós.