Julia Moskin
> Foto: Adriana Zehbrauskas/NYTNS Werner e a esposa, Mya Henry, ambos de 35 anos, se mudaram para cá em 2009, jurando abrir um restaurante longe da cidade. Ele cozinharia; ela seria a gerente; e juntos começariam uma família. Foto: Adriana Zehbrauskas/NYTNS Ah, e as árvores do manguezal atrás da cozinha estão espalhando os galhos pela parede e ele é legalmente proibido de cortá-las, a construção do pibil (um forno típico de Iucatã) está atrasada, e o chef recentemente precisou desviar de uma cobra enorme que estava atravessando a rua quando ele dirigia ao trabalho ao lado da filha. Foto: Adriana Zehbrauskas/NYTNS Para Werner, criado na zona rural de Nova York, foi libertador deixar de trabalhar em seu território. O experimento do Hartwood mostrou que um chef pode levar ideias, habilidades e sabores para qualquer lugar. E que o baixo nível de impacto ambiental deixado pelo Hartwood - que tem pouco mais que um telhado de madeira, algumas espigas de milho secas e um forno feito de cerâmica e pedra - significa que o próprio restaurante não está preso.
Tulum, México - Este não é um artigo sobre comida mexicana.
Vamos falar de comida feita no México, usando os maravilhosos ingredientes encontrados nas águas, florestas e campos mexicanos.
No entanto, o Hartwood, um restaurante aberto na cidade por dois nova-iorquinos em 2010, é um experimento que inventa pratos que são vanguardistas e antiquíssimos, globais e, ao mesmo tempo, locais - e, felizmente, deliciosos.
"Nunca pensei em fazer comida mexicana", afirmou Eric Werner, chef, proprietário, forrageador, construtor, especialista em gestão de detritos e aprendiz de agricultor no restaurante. "Eu nunca tentaria fazer o que os cozinheiros daqui fazem. Eles têm a culinária nacional correndo nas veias".
Ao invés disso, Werner é guiado por suas próprias obsessões: o sabor incomparável da comida feita em forno à lenha; as frutas, vegetais, ervas, flores e temperos do Caribe; e a necessidade de proteger essa região selvagem do planeta, seus agricultores, pescadores e tradições culinárias.
Porém, essa vida nova também tem suas complicações.
Tulum é o ponto final da Riviera Maia, um destino litorâneo internacional ao sul de Cancún, cujas praias estão se transformando em hotéis, resorts e campos de golfe a uma velocidade estonteante. Entretanto, a cidade de Tulum foi construída sobre uma superfície frágil de pedra calcária, acima de uma vasta reserva de água subterrânea que se abre em um recife de corais e em uma costa tão rica em biodiversidade (macacos, orquídeas, forrageador e muitas outras coisas) que é protegida pela Unesco. As construções são extremamente regulamentadas e os serviços mínimos para o funcionamento de um restaurante - incluindo, por exemplo, uma rede elétrica e banheiros com descarga - não existem ou são restritos.
No Hartwood não há fogões, fornos de convecção, fritadeiras: só fornos à lenha. A cozinha fica completamente exposta, com uma área concretada com mesas de trabalho, isopores cheios de gelo e peixes frescos, além de cestas de frutas. Toda a preparação é feita com facas e um único eletrodoméstico (um liquidificador, ligado no pequeno gerador do restaurante), em sua maior parte por Jamie Klotz, o sous-chef, e uma equipe de pessoas da cidade.
Ainda assim existem 14 sucos de fruta fresca no bar, costelas de porco inesquecíveis cozidas lentamente e uma torta de limão tão macia que dá vontade de dormir sobre ela, polvilhada com flores secas de camomila que crescem na beira da estrada. A jicama para a salada é cortada em quadradinhos, salpicada de conserva de cacto roxo doce sobre um creme fresco de menta verde. As bananas-da-terra são grelhadas com casca e tudo até ficarem escuras e suculentas, e depois são polvilhadas com canela recém-moída.
As recepção é calorosa, as bebidas são fortes e o "salão" é elegante. À noite, com lamparinas de querosene queimando e o fogo crepitando, o restaurante parece perdido no tempo.
As ferramentas da cozinha de Werner são primitivas, mas seu estilo é decididamente moderno, em consonância com o que anda na mente da elite gastronômica atual. Esses chefes estão reescrevendo o cardápio da alta culinária (foie gras está fora, vegetais marinhos, e arroz estão dentro), visando comidas naturais, minimalistas e igualitárias. Eles estão se envolvendo com agricultura, cruzamento de animais e oceanografia, revivendo culturas culinárias como a fabricação de picles, cura de carnes com sal e defumação. Nesse movimento, às vezes chamado de "New Nordic", mesmo nos trópicos, rótulos geográficos como "Mexicano" estão perdendo o peso, e a comida regionalmente "autêntica" não é mais procurada.
Por todas essas razões o mundo começou a trilhar o caminho em direção ao portão (enferrujado) do Hartwood.
Também é por isso que Werner parece ser a pessoa mais estressada de Tulum, onde o maior problema geralmente é encontrar um smoothie vegano ou chegar à aula de ioga a tempo.
Não é difícil para o chefe comprar ingredientes aqui. Caminhões do Sam's Club servem os restaurantes e hotéis na orla de Tulum.
Todavia, Werner não tem interesse em maçãs Granny Smith e peito de frango, por isso ele passa horas na estrada todas as semanas, comprando produtos em lugares como Oxkutzcab e Tizimín, nas montanhas.
O solo da costa é pobre, de forma que a agricultura da região, desde os tempos ancestrais até os dias de hoje, ocorre nas florestas fechadas do interior. Ele conversa com agricultores, comerciantes e avós (em uma combinação de espanhol, maia e mímica) sobre a flora local, como abacates vermelhos, zapotes roxos e ciruelas, as ameixas da região. Ele caminha por trilhas rochosas, chega a plantações onde os sistemas agrícolas usados pelos maias há 6.000 anos continuam sendo praticados, e cozinha em fogões a lenha e grelhas, preparando pratos para até 120 pessoas por noite (com muito mais gente sendo dispensada nos portões).
Mas a coragem não diminui.
"Como poderíamos não querer preservar isto aqui?", perguntou Werner, caminhando por uma trilha virgem da floresta em direção à milpa, ou fazenda, que pertence a seu amigo e funcionário Antonio May Balan. A uma hora de carro ou meia hora a pé através de uma floresta aparentemente intocada se transforma em uma clareira que parece ter sido aberta por uma bomba. "Quem vê pensa que é uma fazenda muito ruim, não é?", Werner afirmou com carinho, olhando para a terra vermelha e seca, repleta de trepadeiras de abóboras, talos de milho ralado, plantas cheias de espinhos e muitas pilhas de cinzas.
Na verdade ela é produtiva (e, ainda por cima, orgânica), e pouco mudou no sistema autossustentável desenvolvido na região pelos maias em 4.000 a.C. O milho é um alimento básico, mas feijões e abóboras também são necessários para completar a nutrição e o ciclo de nitrogênio. Os três são plantados juntos, alimentam os agricultores e renovam o solo, em um ciclo ininterrupto de nutrição.
Esse é um sistema que era amplamente praticado até o século XVIII, quando os espanhóis em Iucatã escravizaram o povo maia em suas próprias terras, dando origem ao declínio da cultura e da agricultura maia. A partir dos anos 1930, as políticas do governo finalmente devolveram a terra ao povo, por meio de cooperativas agrícolas chamadas ejidos, de forma que Balan e seus filhos têm o direito de trabalhar a terra, embora não sejam donos dela.
Praticamente qualquer coisa cresce nessa parte do mundo. As batatas, pimentas, abacates, amendoins, abacaxis e goiaba foram domesticados pela primeira vez na região, e mangas, cocos e bananas foram trazidas de fora e floresceram na região.
"Sério, este lugar poderia estar em qualquer parte", afirmou em uma noite quente e enluarada, contemplando as realidades inexploradas do Caribe e além. "Mas fico contente que estou aqui".