Diante da estátua de bronze, há quem entrelace as mãos como se estivesse orando. Outros chegam a beijar os dedos antes de encostá-los nos pés da escultura. O monumento em homenagem a Leonel Brizola (1922 - 2004) em Porto Alegre virou um ponto turístico, uma espécie de pequeno santuário dos devotos do líder trabalhista.
A escultura tem chamado atenção pelas semelhanças em relação à figura política retratada pelo artista Otto Dumovich. Estão lá, por exemplo, o dedo em riste e os braços em movimento, características do gestual que marcava a impetuosa oralidade de Brizola. E há mais.
- A sobrancelha é inconfundível. E o sorriso também - diz o prestador de serviços Jorge Paulo Ferreira da Rosa, 63 anos. - Eu era fã do Brizola porque ele sempre pensou nos pobres.
- Não tem como não ver o Brizola nesta estátua, ela é muito parecida - completa a cozinheira Ana Lúcia Silva da Luz, 42 anos.
Desde a inauguração, no último dia 22, dezenas de visitantes chegam diariamente à Rua Dom Sebastião, a pequena via sem saída onde a estátua foi instalada entre a Catedral Metropolitana e o Palácio Piratini. O movimento no local também aumentou a procura pelas visitas guiadas no Memorial da Legalidade, que reconta o episódio em que Brizola, então governador do Estado em 1961, entrincheirou-se no porão do Piratini para comandar a resistência civil-militar que defendia a posse de João Goulart após a renúncia do presidente Jânio Quadros.
O monumento de dois metros de altura é mais um trabalho do escultor que se notabilizou pela popularidade de suas estátuas espalhadas pelo Brasil. Só no Rio, são mais de 20. Em Copacabana, o baiano Dorival Caymmi passeia sorrindo e acenando. Já em frente à Academia Brasileira de Letras, o escritor Manuel Bandeira, sentado em um cadeira, curva-se diante de sua escrivaninha. Há ainda Braguinha, Pixinguinha e Cartola, entre outras figuras. Em comum, as esculturas impressionam pela fidelidade física de seus personagens, que os torna facilmente reconhecíveis, e pela sensação de movimento - parecem vivas, como muitos dizem.
- Gosto muito do barroco, daquela torção. Meu grande barato é trabalhar o movimento. É como se pegasse o bronze, algo estático e duro, e desse liberdade e ação. De que adianta resgatar Brizola se não fizer ele "vivo"? Prezo muito esse cuidado. E acabou que as pessoas sentem isso, como se fosse a aura artística da pessoa - conta Dumovich, 56 anos, que vive em Maricá (RJ), praia do litoral fluminense a cerca de 60 quilômetros do Rio.
O artista diz não seguir uma tradição escultórica. Antes de trabalhar com estátuas, já desenhava e pintava, práticas que influenciaram seu modo de esculpir que privilegia o traço, a luz e o meio-tom. Para modelar fielmente seus personagens, pesquisa dezenas de fotografias. Foi assim com Brizola, mas Dumovich garante que as imagens servem apenas de inspiração.
- Não havia uma foto do Brizola com esse gesto da escultura, tinha dele falando com a mão ao alto. Não copio fotos porque isso não seria arte. Faço uma interpretação pessoal e criativa, pois as estátuas são resultado de como vejo o personagem. Entretanto, no caso de um monumento público, é preciso ter verossimilhança. Todo mundo tem que ver o Brizola ali - conta Dumovich, que levou quatro meses para concluir o trabalho.