Meus avós maternos e minha mãe nasceram em Alexandria, no Egito. Sempre foi estranho dizer isso às pessoas. Normalmente era algo que eu declarava numa tentativa de justificar por que diabos eu sabia falar francês. "Nossa, tu fala francês." "Minha família é de Alexandria. Eles sempre falaram francês em casa." Mas acho que isso não explicava muita coisa nem para mim mesma, uma vez que a relação entre Alexandria e a língua francesa me parecia um mistério. O Egito não fora uma colônia britânica, afinal?
Para complicar, nós éramos judeus. E tínhamos sido expulsos! Quando eu era criança, isso me parecia um ataque quase pessoal, e era difícil que não soasse desta maneira para meu interlocutor quando eu dizia: "Nós fomos expulsos do Egito". Expulsos daquele paraíso chamado Alexandria. Meu vô assobiava velhas canções árabes pela casa. Expulsos por Nasser em 1957. Meu vô sonhando com sanduíche de falafel a uma piastra por 55 anos. E aí tinha a história daquele tio que jogou o carro no Mediterrâneo porque o governo ia confiscar de qualquer maneira os bens de todos os judeus, franceses e ingleses.
Quando a gente se reunia para o jantar de Pessach no apartamento dos meus avós, eu sabia que aquela bolachinha ruim simbolizava a saída às pressas dos judeus do Egito e blá blá blá (algo sobre não ter dado tempo de esperar o pão crescer). Para mim, isso parecia uma coincidência incrível.
Foi só bem depois que eu entendi que aquela viagem sem volta dos Bensimon estava diretamente ligada à nacionalização do Canal de Suez. Que Nasser e sua relação com os soviéticos selaram o nosso destino. Que Israel, a França e a Grã-Bretanha fizeram o mesmo ao traçarem um plano vergonhoso às escondidas em um castelo de Sèvres, sudoeste de Paris. E que um diplomata canadense, Lester Pearson, salvou o mundo do que poderia se tornar uma III Guerra Mundial.
Curioso. Se minha vida tivesse sido atravessada por tantos fatos marcantes do século 20 (inclua aí bombardeios da II Guerra e o exército de Rommel chegando a poucos quilômetros de Alexandria), eu não ia parar de contar essas histórias nem por um segundo. Diferenças geracionais, claro. Navegar nas turbulências históricas era só o jeito como as coisas eram. Ficava a saudade do sanduíche de falafel.