Escondido perto da Gare St.-Lazare, no oitavo arrondissement de Paris, fica o restaurante Lazare. A nova casa de Eric Frechon, chef que ganhou três estrelas do Michelin com o Epicure, é charmosa e interessante, mas impressiona por outra razão: é ela que lidera o ressurgimento da brasserie. Boa notícia para quem aprecia esse restaurante de serviço rápido, que já foi símbolo do glamour oferecendo comida francesa boa e simples e a oportunidade única de ver gente, mas que há alguns anos ganhou a reputação de medíocre por se tornar o estilo adotado por cadeias mais interessadas nos lucros que na boa comida.
Bofinger foi a primeira, aberta em 1864, mas o gênero ganhou força com a chegada dos alsacianos fugidos da ocupação alemã na província após a Guerra Franco-Prussiana, entre 1870 e 1871 - e que, muito astutamente, acharam que suas tradições se tornariam populares na nova cidade. Muitas de suas cervejarias ("brasserie", em francês) também ofereciam pratos simples como choucroute garni. Para atrair o público, os donos abriam seus estabelecimentos ao longo das avenidas mais movimentadas e perto das estações.
Mesmo em seus dias de glória, não eram opções de maravilhas gastronômicas; o pessoal estava em busca de um charme meio vulgar e muita diversão. Hoje em dia, uma meia dúzia de casas tradicionais ainda serve boa comida e, com Frechon reimaginando o gênero, elas têm tudo para fazer sucesso.
Lazare
Quando perguntei a Frechon do que gostava mais nas brasseries parisienses, ele respondeu: - Elas são igualitárias; todo mundo é bem-vindo. - E pensei na primeira vez em que tinha ido a uma, anos atrás, em Les Halles. Eram duas da manhã e tomei sopa de cebola, mas o que me conquistou foi o clima meio indecente, a decoração brega (imagine cachos de uva em vidro fosco) e uma clientela inesquecível. De fato, uma passagem em especial me veio à mente.
- Estou vendo que você quer é o moreno, mas o loiro seria melhor na cama - , me aconselhou uma mulher de meia-idade, muito pintada, que jantava sozinha, por sobre a divisão que separava sua mesa daquela que eu dividia com um amigo e dois australianos que tínhamos acabado de conhecer em um clube. - O que ela disse? - , o moreno perguntou. - Estava elogiando seu casaco - , menti eu. - Oh, diga que ela é muito gentil - , respondeu ele, sorrindo.
Embora a conversa que meu namorado, Bruno, e eu tivemos com nossos vizinhos de mesa no Lazare, em setembro, tenha sido mais discreta (praticamente só falamos de comida), percebi outras conversas paralelas. Era bom saber que o alto astral das brasseries ainda consegue derrubar as barreiras sociais em uma cidade que continua um tanto formal.
A decoração do Lazare, feita por Karine Lewkowicz, também lembra as casas antigas, mas com referências interessantes. Há um balcão redondo de cobre logo na entrada, um piso de mosaico retrô no saguão e detalhes em mármore; por outro lado, é absurdamente moderno, com canos expostos no teto branco e pareces cobertas de prateleiras de madeira cheias de pratos brancos e apetrechos de cobre.
- Nesse cardápio há pratos que eu gostaria de provar enquanto turista, mas o Lazare também é para os parisienses - , disse Frechon, um normando muito simpático e falante. Tradução: uma seleção irresistível de pratos franceses clássicos e contemporâneos, incluindo a excelente terrina de cavala com molho de raiz forte e a morácea refogada em vin jaune que comemos de entrada; o filé Dieppoise em um fumet de peixe enriquecido com ovo, cogumelos e mexilhões e o steak de vitela refogado com cogumelo e batatas que se seguiram.
La Rotonde
Há uma boa diferença entre a Paris com que sonham os viajantes e aquela em que moro há 27 anos. La Rotonde, uma brasserie vintage de 1911 em Montparnasse, concilia a realidade e o imaginário sem sacrificar a boa comida. Assim, quando amigos meus chegaram da Cidade do Cabo querendo conhecer La Coupole, um clichê mencionado no guia de viagem, fomos lá para tomar um drinque, mas atravessamos a rua para comer no La Rotonde.
A decoração, com abajures de franja e cabines forradas de veludo felpudo, tem um charme ultrapassado e o serviço bem humorado e educado é rápido na tradição das brasseries. Mais importante que tudo, porém, é o fato de que os pratos tradicionais não só são bem preparados como também levam ingredientes de primeira.
Começamos com um carpaccio de cabeça de vitelo com alcaparra, ovo cozido com creme de cogumelo e escargots fritos na manteiga com alho. Os sul-africanos até se encolheram com a minha escolha, mas aprovaram as entradas que pediram e todo mundo adorou os pratos principais: carneiro assado com molho aveludado de sálvia; aïoli de cabillaud, bacalhau cozido com legumes e maionese de alho e o steak tartare que fez com que eu virasse cliente da casa.
- A comida é ótima. Sepre achei que a cozinha francesa tivesse que ser requintada -
Mini Palais
Frechon começou a "brincar" com o formato brasserie ao abrir o Mini Palais em 2011, na esquina sudeste do Grand Palais, o magnífico salão de exibições construído para a Exposição Universal de 1900. - Eu queria reinventar a brasserie para uma nova era e achei que os parisienses iam gostar de um cardápio sazonal mais leve - , explicou.
O visual do espaço imenso, de pé-direito alto, criado pela dupla Gilles & Boissier, consegue ser aconchegante, graças ao piso de carvalho, e espirituoso, com aparadores grandões cheios de bustos de gesso que evocam o ateliê de um artista, em referência da galeria ao lado. A boa iluminação e a localização favorecem a observação de pessoas (passatempo típico da clientela de toda brasserie que se preze) e, durante o verão, o terraço cercado de colunas de pedra é disputado para quem quer comer ao ar livre.
Sem nunca se tornar exagerado, o cardápio atraente de Frechon eleva as opções a um patamar mais sofisticado com pratos como tartare de ostras e vieiras guarnecido de uma espuma de limão e curry e vísceras de vitela glaçadas com queijo Comté e vin jaune. Esses foram os pratos franceses que pedi quando jantei ali há pouco tempo com um crítico gastronômico de Nova York e dois restaurateurs da Califórnia. Outros destaques na nossa mesa incluíram um hambúrguer de peito de pato picado com foie gras e molho de trufas; bacalhau glaçado com tamarindo em um cozido em estilo tailandês e pescada branca com crosta de amêndoas e vinagrete.
A hostess pode ser meio ríspida e o serviço, desorganizado, mas desde que abriu, o Mini Palais se tornou o favorito dos parisienses tão estiloso quanto o La Coupole dos anos 20.
Le Stella
Raramente visito o 16º Arrondissement, a versão parisiense do Upper East Side, então toda vez que vou eu me sinto meio como um voyeur - como aconteceu há pouco tempo quando lá estive com Bruno em uma noite em que nossa geladeira estava vazia. Nosso destino, entretanto, já era conhecido: Le Stella, uma brasserie casualmente descolada com decoração dos anos 50 que reabriu em 2003 depois de três anos fechada, para grande alívio do bairro. Antes mesmo de nos sentarmos no salão forrado de madeira, já tínhamos combinado o pedido: ostras (sempre excelentes), peixe grelhado para mim e para o Bruno, a soberba linguiça andouillette.
Primeiro, no entanto, ver (mais) gente. À mesa da esquerda, uma avozinha muito elegante em um terninho azul ouvia, pensativa, os netos contando sobre as férias; à direita, um grupo de parisienses de meia-idade comentavam o caso que uma delas teve com um jardineiro albanês em uma ilha grega.
Pego de surpresa pelo garçom, deixei as ostras e de lado e fui de salmão defumado e blanquette de vitela; Bruno não alterou seu pedido. Comemos muitíssimo bem, como sempre acontece no Le Stella, mas talvez eu tenha me distraído um pouquinho demais com a dança dos garçons em seus aventais pretos e os trechos de conversa que me chegavam aos ouvidos. Não há dúvida de que essa brasserie oferece um dos melhores espetáculos da cidade.
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