Fui apresentado por um amigo ao The Brian Jonestown Massacre anos atrás, mas não dei a atenção devida à banda que, nos últimos tempos, tenho ouvido sem parar e ainda sem dar plena conta da robusta discografia de 12 álbuns de estúdio e dezenas de EPs, compilações e registros ao vivo. Até que o documentário Dig! (2004), visto por mim, acho, só em 2011, abriu-me as portas da percepção para conhecer melhor o BJM e seu brilhante guru, o maluco beleza Anton Newcombe.
Sujeito musicalmente inventivo que esteve a um passo curto de fritar o cérebro por conta dos excessos de drogas pesadas e bebidas fortes, Newcombe fez do BJM um caldeirão em que fervem digressão psicodélica, folk e distorção, ingredientes que incorporam a cada disco tantos outros e levam a banda por caminhos diferentes e ainda não plenamente explorados desde que os Beatles voltaram da Índia com um sitar na bagagem.
A diretora Ondi Timoner mostra em Dig! os passos iniciais do BJM em San Francisco e a relação de fraternal parceria e, em seguida, belicosa convivência com a banda The Dandy Warhols. Chega-se ao fim do filme crente de que Newcombe em breve estará morto ou amarrado em uma camisa de força.
Aclamado pelo crítico musical britânico Garry Mulholland, em seu livro Popcorn, como o melhor documentário de rock do século 21, Dig! flagra esses dois grupos trilhando juntos pelo underground da costa oeste americana em clima de plena camaradagem, farras coletivas nos camarins e participações em shows um do outro. Até despertarem o interesse de gravadoras, projeção de maior visibilidade que não perece interessar a Newcombe, descrito nos depoimentos como um profícuo gênio musical que o mundo está prestes a descobrir. Eis que em um show que deveria celebrar a assinatura do contrato do BJM, Newcombe surta, agride companheiros, discursa contra o sistema e abandona o palco.
Já o líder do The Dandy Warhols, Courtney Taylor, decidiu ganhar alguma grana sob chancela de um selo de projeção e assinou com a Capitol , "traição" que o fez ganhar o desprezo e o deboche público do ex-amigo. Da rusga resultaram as faixas Not If You Were the Last Junkie on Earth (que faz referência ao vício em heroína e seria dedicada a Newcombe), primeiro grande hit Dandy Warhols, do tal álbum da Capitol, ...The Dandy Warhols Come Down (1997), e a resposta, Not If You Were the Last Dandy on Earth, que o BJM cantou no disco Give it Back! (1997), lançado um mês depois. (Tanto Newcombe quanto Taylor renegam Dig!, dizendo que, entre tantas coisas boas que registrou, a diretora optou por destacar os piores momento).
O filme termina com Newcombe preso e algemado dentro de uma carro da polícia, após agredir um espectador com quem discutiu no meio de um show. Depois disso, ele foi morar em Berlim, (parece que) largou as drogas, lançou com o BJM discos bons e ótimos um atrás do outro - o mais recente é Aufheben, de 2012, - criou um canal de TV virtual (Dead TV) voltado para a música e as artes visuais, e é um cara bastante ativo nas redes sociais (@antonnewcombe), com dicas e comentários interessantes.
E vale lembrar: é do BJM o tema de abertura do ótimo seriado Boardwalk Empire (Straight Up and Down, do álbum Take It From the Man!, de 1996). E vale rezar: a banda cumpre uma agenda de shows que costumam ser antológicos (anda agora pela Austrália) e não deve ter um cachê alto, sendo, portanto, uma atração viável para pelo menos reforçar o elenco de um destes festivais com perfil mais alternativo que se organiza volta e meia no Brasil. Os fãs do BJM são poucos, mas são fiéis e entusiasmados. Reconhecem tanto a excelência sonora da banda quanto a espetacular e incomum volta por cima de um sobrevivente do rock que conseguiu reescrever uma história que parecia não rumar para um final feliz.
Confira aqui um show memorável do BJM, em Colônia (Alemanha), em 2010
E aqui, um momento da viagem psicodélica no Austin Psych Fest de 2012