Ao parar para escrever um texto, jamais - a menos que o seu objetivo seja fazer humor - abra "em grande estilo". Esqueça o tal "pontapé inicial". Se cair em tentação, não importa o que faça: fuja do irresistível desejo de "dar a volta por cima".
De tanto "chover no molhado", o clichê (em toda a sua obviedade) virou tema de oficina (nada óbvia, "diga-se de passagem") na Feira do Livro.
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A ideia é da escritora e jornalista Cíntia Moscovich. Mestre em teoria literária, ela cansou de ver alunos e até gente famosa no mundo das letras repetir lugares-comuns - aquelas fórmulas previsíveis que um dia até soaram originais, mas que já não dizem nada.
- É muito engraçado, porque parece que todo mundo que escreve tem uma mocinha com dentes brancos como pérola, um amante latino e sedutor, um personagem que chora copiosamente. É chavão que não acaba mais - brinca ela. - Eu diria que é o novo kitsch, sabe? Aquela obsessão por flores de plástico e pinguins de geladeira.
Foi justamente para ensinar "como não se deve escrever" que a especialista decidiu organizar a oficina, prevista para hoje e amanhã, com entrada franca. Além de explicar o que é um clichê, Cíntia dá dicas de como evitá-lo. E a primeira delas, ironicamente, é uma baita trivialidade: "desligar o piloto automático".
- As pessoas usam esses termos batidos porque não param para pensar. É uma linguagem automatizada, e não tem nada pior do que um texto clichezento. Dá até sono - argumenta Cíntia.
Quem participar da oficina vai poder conferir os maiores chavões do cinema americano, das novelas (sim, elas têm aos montes), dos best-sellers e dos romances água com açúcar estilo Sabrina. Além disso, vai fazer alguns exercícios para superar o vício, entre eles escrever usando todos os estereótipos "possíveis e imagináveis", até ficar enjoado.
A intenção, com isso, é estimular a criatividade. Coincidência ou não, outra oficina iniciada ontem está tratando exatamente desse assunto.
- Apareceram 29 pessoas, todas muito interessadas. Em geral, o que eu percebo nesses cursos é que muita gente se acha incapaz de escrever de forma criativa. O principal desafio é desbloquear as travas internas, e não é fácil - diz a escritora Valesca de Assis, que comanda oficinas de escrita criativa durante a Feira.
Para incentivar a originalidade - e "dar um golpe de misericórdia" nos formatos manjados -, Valesca aposta em jogos de palavras e brincadeiras. O cursinho já não tem mais vagas, mas vale citar algumas atividades propostas. Uma delas é criar um conto trágico a partir de uma piada. Outra é inventar uma história em cima do próprio nome (veja ao lado).
No fim, a capacidade imaginativa aparece ao natural. E o melhor: sem frases feitas, para "fechar com chave de ouro", como este texto repleto de clichês entre aspas.
O que é clichê?
> Também conhecido como lugar-comum ou chavão, o clichê é uma expressão ou frase pronta que, de tanto ser usada, acaba perdendo o significado e ficando desgastada. Por passar a ideia de falta de criatividade, deve ser evitado por qualquer pessoa que queira imprimir uma marca singular a um texto ou produção cultural e ao modo de ser.
10 exemplos para não repetir mais
> Abrir ou fechar com chave de ouro
> Bola da vez
> Cair como uma luva
> A sete chaves
> Chover no molhado
> Fugir da raia
> Respirar aliviado
> Voltar à estaca zero
> Trocar farpas
> Divisor de águas
Como fugir do clichê
A escritora Cíntia Moscovich dá três dicas básicas
1) Desligue o piloto automático: pare e pense antes de escrever. Usar frases prontas é sempre mais fácil, mas, se você quer ser original, não tem outro jeito.
2) Comece a prestar atenção aos filmes e às novelas e procure identificar os lugares-comuns, isso vai ajudar a fugir das armadilhas - às vezes, a gente nem se dá conta de que está usando um chavão.
3) Brinque com as palavras: tente pegar uma frase pronta e dar a ela um tom de humor. Por exemplo: quer expressão mais batida do que "há males que vêm para o bem?". Agora experimente mudar o termo "males" por "malas".
Como aguçar a criatividade
A escritora Valesca de Assis costuma aplicar uma brincadeira em suas oficinas para desbloquear as "travas"
1) Escreva seu nome em um papel e separe em cinco sílabas (se tiver menos de cinco, inclua uma ou mais sílabas do seu sobrenome, até fechar o número).
2) Recorte em quadradinhos e misture até formar uma palavra bem diferente.
3) Em cima dela, escreva um conto. Não sabe como? Pense: com o que a palavra se parece? Com o nome de um terrorista? Com a primeira fala de um bebê chinês? Com um novo remédio? Esse é o espírito.
Oficina Fugindo do Clichê: Como Não Se Deve Escrever, com a escritora Cíntia Moscovich.
Terça e quarta, às 19h, na sala Noé de Mello Freitas do Centro Cultural CEEE Erico Verissimo (Rua dos Andradas, 1.223). Gratuito.