A seguir, confira textos publicados pelo Segundo Caderno em 26 de outubro de 2011.
Lulu, o aguardado disco que reúne a banda Metallica com Lou Reed, está previsto para ser lançado no dia 31 de outubro de 2011. Mas, desde a semana passada, quando foi colocado na íntegra para audição em seu site oficial (www.loureedmetallica.com), vem gerando amor e ódio quase na mesma medida. O Segundo Caderno traz, então, duas visões distintas do trabalho, inspirado nas peças Espírito da Terra e A Caixa de Pandora, do dramaturgo alemão Frank Wedekind (1864 - 1918), considerado um pioneiro do Expressionismo.
O pesadelo do desejo
por Roger Lerina
A protagonista da peça Espírito da Terra (1895) reencarnou no século 20 em obras como a ópera Lulu (1937), de Alban Berg, e o filme A Caixa de Pandora (1929), de G.W. Pabst. Mulher morbidamente prisioneira da própria devassidão, a decadente Lulu segue fascinando artistas: Lou Reed compôs uma série de canções para uma montagem do texto de Wedekind - a peça acabou não saindo, mas as músicas ganharam agora um registro dramático e pesado graças à parceria com o grupo Metallica.
Lulu não é um projeto de Reed apenas: ainda que o bardo roqueiro seja a figura criativa dominante nas 10 faixas, o Metallica é muito mais do que mera banda de apoio. O equívoco, porém, é escutar o disco esperando ouvir um trabalho de carreira da maior banda heavy metal atual - não é: Lulu parece uma suíte operística roqueira, conduzida pelo canto falado de Reed, em que o Metallica explora seu lado épico em longos temas, como no disco Death Magnetic (2008).O pesadelo de Lulu começa com Brandenburg Gate, em que a introdução com violão anuncia o tom cênico do que se escutará nos próximos 87 minutos, enquanto Reed recita:"Eu cortaria fora minhas pernas e peitos pensando em Boris Karloff e Kinski na escuridão da noite".
Se Mistress Dead soa mais como um típico thrash metal do Metallica, Iced Honey lembra o Lou Reed cru e hard do clássico disco New York (1989).O guitarrista James Hetfield faz o vocal de apoio em faixas como Cheat on me, e a banda soa coesa em The View e Dragon - mesmo sem riffs alucinantes ou linhas de baixo galopantes. Mas o destaque mesmo dessa obra experimental é a poesia liricamente malsã de Reed, que diz em Frustration coisas como "Eu quero tanto machucar você / Case-se comigo / Eu quero você como minha mulher / Sem esperma como uma garota / Mais homem do que eu". Os fãs mais ortodoxos do Metallica pelo menos têm que admitir isso: os caras são corajosos.
No piloto automático
por Gustavo Brigatti
Há quase 10 anos, Lou Reed decidiu que fazer música não é mais a praia dele. Desde então, partiu para extravagâncias como musicar O Corvo (poema do escritor Edgar Allan Poe) e gravar um disco de meditação (Hudson River Wind Meditations). Só que com exceção da meia-dúzia de viúvas do Velvet Underground, ninguém mais ficava sabendo e estava tudo bem.
Ao convidar a maior banda de rock do mundo para sua nova empreitada, o nova-iorquino conseguiu, além da atenção do grande público, a inédita e potencialmente perigosa atenção dos fãs do Metallica. E Lulu, o resultado dessa joint venture, é tudo o que os ainda esperançosos fãs da banda de San Francisco não esperavam, queriam ou precisavam. Já quem gosta de Reed não vai se importar em ter mais uma esquisitice na prateleira.
Embora essa não seja nem uma bizarrice travestida de vanguarda, como ele fez em Metal Machine Music (1975), por exemplo. Lulu é monótono, sem inspiração ou criatividade, parece ter sido feito a toque de caixa com o que suas duas partes sabem fazer no automático.
O Metallica limita-se a reproduzir riffs manjados e caretíssimos, além de fazer uma ou outra participação vocal, enquanto Lou Reed passa o tempo declamando historinhas de terror que não devem meter medo nem no mais imberbe dos ouvintes. Sem contar a produção meia-boca, que não permite distinguir o baixo do bumbo da bateria.
Na árvore genealógica do rock, Metallica e Lou Reed podem até ter alguma afinidade - o gosto por roupas pretas, talvez. Mas, na prática, o estranhamento não poderia ser maior, fazendo de Lulu um fortíssimo candidato a pior disco do ano.