O escritor paranaense Domingos Pellegrini, vencedor de seis prêmios Jabuti e autor de mais de 30 obras, decidiu lançar um livro em que narra episódios que viveu com Paulo Leminski depois de não ter tido autorização da família do curitibano, morto em 1989, para a publicação da obra. Pellegrini escreveu um e-mail ao Supremo Tribunal Federal informando de sua decisão: "Sou escritor e acabo de colocar na internet, para divulgação e reprodução gratuitas permitidas, o livro inédito em anexo, Passeando por Paulo Leminski, pois a família herdeira não autorizou sua publicação impressa".
Pellegrini conta que foi convidado para fazer o livro pelo editor Samuel Ramos Lago, da Editora Nossa Cultura, de Curitiba. Desde o início, o acertado era que a família leria tudo antes, e que, depois de publicada a obra, ganharia também uma porcentagem sobre ela.
- Decidimos com a editora que, sobre o preço de capa, teríamos 12%: 6% para mim e outros 6% para os herdeiros - conta o escritor. Ele diz ter desistido quando percebeu que os herdeiros não lhe davam retornos dos capítulos que enviava. - Caiu a ficha de que aquilo não seria bom.
O escritor conta que seguiu em sua escrita até o fim, lembrando dos 17 anos de amizade que nutriu com Leminski, de 1972 até sua morte. Ele afirma que o resultado não se trata de uma biografia convencional, mas de memórias das vivências com o amigo. Sem autorização para lançá-la, escreveu um último e-mail para a família com uma espécie de ultimato.
- Assim que informei que iria colocar tudo na internet, imediatamente houve resposta. Mas disseram que queriam modificações para liberar a publicação impressa - conta ele, que afirma ter feito um livro afetuoso, mas que não poderia deixar de falar de episódios importantes como a morte provocada por cirrose. - Resolvi colocar tudo na internet, está lá. Não lutei contra a ditadura para enfrentar censura agora. Leminski é um patrimônio público, não pode ser cerceado nem por sua família.
O Estado de S.Paulo enviou perguntas para a viúva do escritor, Alice Ruiz, e para a filha mais velha, Áurea. Alice decidiu responder às questões com o mesmo e-mail que afirma ter enviado a Pellegrini no dia 5 de outubro.
Em um trecho, ela escreve: "Pellegrini, sei que você é um dos que se posicionaram a favor dele (Leminski), em artigos, resenhas, matérias, etc. Sei que você é um dos que ele considerava amigo, embora, entre esses, três já mostraram que ele estava enganado. Lendo seu livro, percebo que, nas entrelinhas, você está à beira de unir-se a eles."
>> "Ele certamente esqueceu", afirma biógrafo sobre alegações de Chico Buarque
>> Chico Buarque se posiciona contra publicação de biografias sem autorização
>> Artistas lideram movimento que restringe publicação de biografias
>> Restrição na publicação de biografias levanta conflito entre dois direitos
Leia o depoimento de Domingos Pellegrini enviado a Zero Hora:
"Com o livro inédito Passeando por Paulo Leminski, espero contribuir para que o Brasil não seja o país das biografias chapa-branca.
Em junho fui convidado pela Editora Nossa Cultura para escrever biografia de Leminski, de quem fui amigo. O editor me afirmou que fui escolhido de comum acordo por ele e pelas herdeiras de Leminski, com quem seriam divididos os direitos autorais e a quem os originais seriam submetidos.
Inicialmente aceitei, honrado, mas logo me dei conta de que a tarefa me privaria de duas condições essenciais para uma escrita criativa condizente com Leminski, a paixão e a liberdade. Além disso, já havia uma biografia sua, e eu teria ou de sugar informações dela ou buscar penosamente novas informações talvez não tão relevantes ou interessantes.
Assim, resolvi desistir da empreitada antes de assinar contrato - mas continuei a ter lembranças de Leminski, tantas que resolvi escrever não exatamente uma biografia, mas uma mistura de minhas memórias com ele e necessárias observações críticas.
Escrevi em poucas semanas, apaixonado, e a Editora Record se interessou em publicar - desde que com autorização das herdeiras, pois, sem isso, toda editora brasileira hoje teme ter prejuízo com a publicação embargada judicialmente.
Como as herdeiras negaram autorização, resolvi colocar o livro na internet, esperando honrar a memória e a obra de meu amigo.
E desde já autorizo que o livro seja reproduzido e divulgado de qualquer forma."