Os primeiros textos de Joël Pommerat estruturam-se de forma totalmente ficcional, isto é, as cenas se sucedem ora no presente, ora no passado. Os mais atuais, como Esta Criança (2005) e Estremeço (2007), são bem representativos: se procurarmos uma história, só encontraremos fragmentos - ambos são compostos por cenas independentes. Em Estremeço, com excelente montagem de Camila Bauer e do grupo Stravaganza, há a personagem de um Apresentador que faz a passagem entre algumas cenas, estabelecendo uma ligação entre elas e definindo o espaço. O espectador está defronte um espaço ficcional onde acontece, aqui e agora, um espetáculo. Já no texto de Esta Criança (a montagem da Companhia Brasileira de Teatro foi apresentada pelo Porto Alegre Em Cena de sexta-feira a domingo, no Theatro São Pedro), as cenas se sucedem de forma ainda mais independente, a ligação é feita pelo espaço da cena: a iluminação, os personagens e alguns objetos a ocupam e a definem.
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Conforme Pommerat, seus trabalhos se iniciam pela cena. Ele, os atores e os técnicos ocupam o espaço cênico a partir de uma ideia. É assim que o espetáculo se estrutura, e o texto passa a existir. Quando ele afirma que sua busca é pelo real, não é pela cotidianeidade das situações e dos diálogos, mas pelo real da cena teatral, o elemento fundador que não busca a verossimilhança por ser uma reprodução da vida. É o real da fantasia, da magia de um teatro que não busca a claridade (o sol, do Théâtre du soleil, uma de suas referências), mas a neblina, o sombrio. É a perfeita integração entre os trabalhos preparatórios e o espetáculo final que faz Pommerat duvidar da possiblidade de outras companhias montarem seus textos.
Na sexta-feira (6/9), a escuridão inicial do espetáculo da Companhia Brasileira de Teatro, com aquela mulher falando, inicialmente de forma quase inaudível, sobre a vida que dará ao filho, sobre o seu papel de mãe e suas expectativas, dariam o tom da peça. Mas, quando a cena revela a duplicação do espaço cênico, eu me pergunto sobre sua funcionalidade, a não ser a redundância, sublinha-se a ficção e aponta-se ao espectador que este é um espaço ficcional, como se o palco italiano do Theatro São Pedro não fosse suficiente.
Outro problema é a transferência da ficção para a plateia. Os personagens, ao se deslocarem para o espaço do espectador, eliminam o real da ficção, tornando-o o real do espectador. E, no real do espectador, a magia não existe, quem existe é o "eu" que pagou para assistir ao espetáculo. Na cena em que pai e filho discutem e a mulher tenta amenizar, o filho não precisaria se movimentar tanto e nem gritar, o texto possui força suficiente. Mais uma vez, a redundância prejudica a excelência do espetáculo.
Apesar de apontar alguns problemas, a montagem como um todo é bem realizada, com ótimas escolhas de iluminação, de música, de colocar os atores em cena vestindo o figurino para o próximo personagem, no tom das atrizes, que se revelam excelentes. Destaco a cena da mulher em trabalho de parto, em que o diretor encontrou a expressão da magia do teatro.
Ficção e o real teatral
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