Enquanto viveram, em Porto Alegre, o comerciante Darcy e a dona de casa Laura tiveram a oportunidade de presenciar a chegada de 10 Messias. As meninas foram chamadas de Dirce, Darcila, Daciara, Dircea (que morreu cedo) e uma segunda Dircea. Os rapazes foram batizados de Darcy (já falecido), Dirceu, Dirnei, Darcílio e Dilmar. Seria injusto dizer que Laura era apenas dona de casa. Era também diretora dos filhos na "hora da arte". Sempre que um dos irmãos fazia aniversário, os demais preparavam números: uma dançava, outra tocava piano, outro cantava, e assim por diante. O único que não participava era o mais jovem entre os meninos, o mais tímido de todos. Mas o destino é irônico. Hoje, aos 65 anos, Dilmar Messias é ator, dramaturgo e diretor com quase 60 espetáculos montados. Atuou no teatro político, no teatro infantil, na comédia e no circo. Algumas de suas produções fizeram história no Rio Grande do Sul.
O título de padrinho do 20º Porto Alegre Em Cena é um reconhecimento a essa trajetória. Quando soube da distinção, surgiu a dúvida: o que faz um padrinho? Luciano Alabarse, coordenador da mostra, respondeu-lhe que o padrinho deve participar ativamente do evento. Dilmar admite que gostaria de estar mais presente. É que não para de trabalhar. Recebeu a reportagem de Zero Hora poucas horas antes de uma viagem a Campo Bom, onde apresentaria O Casamento do Grande Mágico Maycon Estallone, estreado em 2012, seu mais recente espetáculo.
Dilmar sempre teve a meta de montar três grandes clássicos: Lorca, Brecht e Shakespeare. Cumpriu dois terços do plano. Faltou Shakespeare. Hoje, questiona-se se teria "fôlego" para isso. Beckett o seduz mais. Está de olho nas possibilidades dos contos O Fim e Primeiro Amor. Tem a ver com seu momento de reflexão.
- Pessoalmente, é um momento mais reflexivo, mas, artisticamente, é meu momento circense. Chega uma hora em que esses extremos se encontram. É o ser ou não ser - diz, sentado à mesa de seu escritório na sede do Circo Girassol, um galpão no bairro Bom Jesus, na Capital.
O espaço foi inaugurado em 2007, mas o terreno havia sido comprado no início da década. Lá, cerca de 60 crianças, de seis a 18 anos, principalmente da comunidade do bairro, têm aulas de teatro, circo e música. O objetivo não é a profissionalização.
- A ideia é afastar as crianças dos perigos do bairro, das drogas. Aproximam-se espontaneamente: vêm e começam a brincar. Os resultados estão cada vez melhores - comemora.
Criado em 1999, o Circo Girassol produz espetáculos de teatro com recursos circenses. Tem inspiração distante no Grupo Girassol, que nasceu e morreu nos anos 1970, do qual Dilmar foi um dos criadores. O primeiro trabalho de relevo foi A Tragicomédia de Dom Cristóvão e da Srta. Rosita (1974), de Lorca.
- Em termos de repercussão e de satisfação pessoal, A Tragicomédia... foi o primeiro trabalho mais maduro. Até então, eu tinha feito coisas como dramaturgo e diretor, mas em um âmbito um pouco amador. Essa peça foi importante porque trabalhei com ótimos atores, como Irene Brietzke, Luiz Carlos de Magalhães, Léo Ferlauto, aquele pessoal da época - diz.
Federico García Lorca inspirou o nome do primeiro filho de Dilmar, Frederico, hoje com 39 anos. Mariana, 33, é uma homenagem a uma personagem de O Avarento, de Molière, montada em 1978. Gabriel, 24, é referência a Gabriel García Márquez, autor do romance Crônica de uma Morte Anunciada, que Dilmar pretendia adaptar para o teatro, mas desistiu após assistir à elogiada versão da diretora Maria Helena Lopes, intitulada Crônica da Cidade Pequena (1984).
O interesse pelo circo, que vinha desde criança, apareceu pela primeira vez no teatro em Hoje É Dia de Rock (1976). Faça-se a Luz para o Esclarecimento do Povo (1979), com textos de Brecht, foi uma incursão pelo teatro político. As Aventuras de Mime Apestovich do Início ao Meio (1986) tinha Hique Gomez no elenco. Na época, Dilmar chegou a ser um terceiro elemento em Tangos & Tragédias, de Hique e Nico Nicolaiewsky. Interpretava um personagem que ficava na plateia, criticando a dupla. Conta que saiu porque Tangos... começava a decolar, e ele não queria abrir mão dos próprios trabalhos. O personagem, por sinal, havia aparecido pela primeira vez na peça Certo Dia numa Estação de Rádio (1984), que Dilmar dirigiu e, ao lado de Cláudia Meneghetti, protagonizou.
Entre os trabalhos mais longevos, está O Marido do Dr. Pompeu (1997), adaptando crônicas de Luis Fernando Verissimo, que ficou 10 anos em cartaz. O infantil Lili Inventa o Mundo (1993), de Mario Quintana, é apresentado há 20 anos. O teatro para os pequenos é fundamental na obra do diretor. Dilmar acredita que a grande questão da atualidade é o individualismo e que as crianças sentem mais isso. É preciso, segundo ele, satisfazer essa necessidade de um contato maior entre as pessoas.
- O circo exerce isso pela sua simplicidade. E a figura do palhaço também, que é uma figura generosa, se veste de ridículo para ganhar um sorriso.
Um longo tempo desde a primeira participação na opereta A Casta Suzana, em 1967. Quarenta e seis anos de carreira não é o suficiente. Qual é a próxima, Dilmar?
Confira dois depoimentos sobre a trajetória de Dilmar Messias:
"Convidamos o Dilmar para participar do Tangos & Tragédias quando o espetáculo saiu do bar e foi para o teatro, nos anos 1980. Foi uma escola para nós. Ele já era um comediante experimentado. Nós éramos músicos entrando na área da comédia. Depois, ele me convidou para montar As Aventuras de Mime Apestovich do Início ao Meio (1986). Foi uma experiência muito rica. E foi a primeira vez que ganhei dinheiro com teatro."
Hique Gomez, ator e músico
"O Dilmar é um abnegado, um grande diretor. Claro que não imaginávamos que O Marido do Dr. Pompeu (1997) seria o sucesso que foi. Nunca se sonha uma coisa assim. Mas logo no início nos demos por conta de que tínhamos um belo tabalho na mão. O que une suas peças é a coisa do lúdico. Ele tem uma preocupação estética muito apurada."
Zé Victor Castiel, ator
Perfil
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Padrinho da 20ª edição do festival conta que está em momento "reflexivo"
Fábio Prikladnicki
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