No meio da multidão que entra no Teatro Bolshoi para o balé, não é difícil identificar Roman Abramov e sua equipe, contanto que você saiba o que está procurando.
Elas não são as novas ricas que usam calça harém de brocado dourado ou carregam bolsas Hobo feitas de chinchila; a expressão de seus rostos não reflete a satisfação das mulheres dos oficiais, que julgam usufruir o que fizeram por merecer e nem são as turistas, com botas de caminhada, espalhadas pelo vestíbulo todo dourado e brilhante.
O grupo de Abramov consiste em mulheres de meia-idade comuns, usando casacos de pano, e têm no rosto um ar contrito, profissional. Elas se reúnem na escadaria e, conforme se aproxima o momento de abrir a cortina, se separam em pequenas formações, como atletas de nado sincronizado, e desaparecem no meio das pessoas que se dirigem às suas poltronas.
Observando todo esse movimento está o próprio Abramov, olhos escuros e inteligentes inspecionando o saguão. Seu trabalho é gerar aplausos e ovações baseado em acordos secretos com os bailarinos, usando assistentes plantados entre os espectadores. Essas parcerias, misto de paixão e comércio, podem durar vários anos - e, de vez em quando, se tornar dramas dignos de novelões.
Os claquistas, como esses profissionais são conhecidos, já foram muito comuns nos grandes teatros do mundo, embora a prática tenha, praticamente desaparecido em meados do século XX - e sua sobrevivência poderia ter passado completamente despercebida não fosse pelo ataque com ácido a Sergei Filin, o diretor artístico do balé, que teve que fazer diversas cirurgias para tentar salvar a visão. Um dos bailarinos do Bolshoi, Pavel Dmitrichenko, mais tarde admitiu ter orquestrado o ataque.
Depois disso, a companhia passou a ser alvo de uma vigilância minuciosa e implacável, o que acabou expondo parte da estrutura de poder extraoficial que define a vida no teatro. Se na Rússia é difícil saber o que é real e o que é artificial, que dirá em um auditório forrado de dourado. Os gritos de "Bravo!" que se ouvem depois de um pas de deux espetacular? Podem vir de uma plateia verdadeiramente encantada.
Como também podem ser o som de um esquema de proteção teatral muito sofisticado.
No salão principal do Bolshoi para uma apresentação de "O Lago dos Cisnes", Abramov, de 40 e poucos anos, estava completamente à vontade em seu elemento. Como havia prometido, os seguranças reagiram imediatamente quando mencionei o meu nome, empurrando as pesadas portas de madeira para me deixarem entrar. Ele usava um jeans desbotado e um tênis New Balance e tinha um leve sinal de barba por fazer; poderia muito bem passar por um bookmaker. Mal podia falar porque estava totalmente concentrado, dirigindo seu pessoal para os banquinhos e cadeiras que não existem no quadro oficial de assentos.
Mais tarde, conforme o pessoal saía para o intervalo, um número surpreendente de pessoas se aproximou para cumprimentá-lo pessoalmente. Uma mulher com uma túnica cor de melancia, obviamente mãe de um dos bailarinos, tentou cercá-lo no corredor na esperança de conseguir o apoio da claque em uma apresentação futura. Abramov estava muito ocupado para conversar e ela ficou ali, parada, impaciente.
O rosto de Abramov é bem conhecido no mundo teatral de Moscou, o que não é surpresa nenhuma, já que ele diz assistir a 300 shows por ano no Bolshoi, mas os detalhes de sua operação - que ele chama de "religião" e exerce por amor e fanatismo - são um mistério; só concedeu uma única entrevista antes, em 2004. A secretária de imprensa do Bolshoi, Katerina Novikova, se recusou a fazer qualquer comentário para esse artigo, exceto para dizer que lamentava a escolha do tópico.
Quando questionei o crítico de balé e historiador Pavel Gershenzon, em seu rosto surgiu uma expressão absorta.
- Como um cigano chegou ao teatro? Não sei. Não sei quem ele é nem onde mora - diz Gershenzon, ex-vice-diretor do Teatro Mariinsky de São Petersburgo.
- Na verdade, nem sei seu sobrenome - acrescentou em um tom surpreso, perguntando se Abramov era judeu.
Abramov descreve seu trabalho como uma "transação bem codificada": os claquistas garantem o aplauso aos artistas e, em troca, ganham os ingressos a que eles têm direito, geralmente dois na plateia e de quatro a seis passes de acesso ao elenco e aos camarins. Uma vez que a claque moderna representa vários bailarinos no mesmo espetáculo, Abramov geralmente garante até 28 lugares no teatro por noite - façanha impressionante considerando-se que os ingressos para "O Lago dos Cisnes", por exemplo, saem por algo entre US$300 e US$500.
Por que os artistas precisam desse recurso? Os mais experientes querem algo bem específico, Abramov explica, como alguns segundos para recuperar o fôlego entre o fim de um adágio e o início de uma variação; os jovens temem o silêncio depois da sequência de movimentos. Todos os acordos, porém, são feitos em particular.
Quando executado corretamente, o que ele e sua equipe fazem é um tipo de ciência. Aplaudir alguns atores imperceptivelmente bem colocados - apelando para o alerta à acústica, psicologia das massas e os desafios técnicos que um artista enfrenta no palco - podem realmente "acender" a plateia como se fosse a chama do forno, levando os leigos a acreditar que estão testemunhando algo virtuoso.
- O público não confia em si mesmo, precisa sempre de um apoio. Se ouve alguém aplaudindo agressiva ou intensamente, seus membros acham que algo extraordinário está acontecendo, embora não entendam bem o que seja; assim, para não serem tomados por bobos, também reforçam as palmas, para ninguém perceber que estão perdidos - disse o crítico Vadim Gayevsky, que chegou a fazer parte das claques quando era garoto, nos idos de 1940.
Os dançarinos raramente falam publicamente sobre a existência das claques. Nas entrevistas com meia dúzia de bailarinos do Bolshoi antigos e atuais, todos disseram achar o recurso positivo, pois injeta o salão com energia.
Entretanto, essa reticência é também consequência da autopreservação, já que os claquistas do teatro são conhecidos por sua sensibilidade exacerbada e senso de vingança, donos de estratégias criativas para atrapalhar o espetáculo. A ofensa pode ser causada pela sugestão do artista de encerrar o fornecimento de passes - o que ocorre com relativa frequência, principalmente quando os iniciantes ganham confiança e sentem não precisar mais de aplauso garantido.
Uma bailarina que conversou comigo na base do anonimato disse que tentou encerrar o acordo na maior diplomacia possível na esperança de evitar um confronto.
- A princípio estava me escondendo, sim; aliás, estava fugindo. E eles tentando me achar através da minha mãe. Se a encontravam no teatro, perguntavam: 'Por que ela não liga para a gente? Por que não cuida mais dos passes e ingressos?' - disse.
Olhando bem para os homens e mulheres que compõem sua equipe - a maioria com bem mais de 50 anos - Abramov imagina se essa não será a última geração de claquistas do Bolshoi. Desde o fim da União Soviética, está cada vez mais difícil encontrar gente que ame o balé com esse tipo de paixão obsessiva.
- Minha vida se resume a isso. Ninguém que tenha o mínimo de bom senso sobrevive a oito apresentações de 'La Bayadère' seguidas; ou vinte 'Quebra-Nozes' em dez dias - ele revelou.
De qualquer forma, não havia tempo para muita introspecção na noite em que conversamos porque o espetáculo já se aproximava de seu final grandioso.
De repente, um dos integrantes da equipe de Abramov começou a gritar "Bravo! Bravo!" - um homem sentado em um banquinho na ponta de uma das fileiras -, mas a bailarina estava executando 32 fouettés perfeitos e já não dava mais para saber de onde vinham os gritos.
Onde acabava a paixão e começava o fingimento? Impossível dizer.