Ouvi falar de A.J. Liebling tardiamente, em 2004, por meio de um artigo na New York Review of Books. A imprensa americana comemorava o centenário de nascimento do jornalista, que trabalhou na revista New Yorker durante 28 anos, até sua morte, em 1963. Escreveu sobre boxe, gastronomia, guerra e sobre a própria imprensa. E inspirou a turma do novo jornalismo - Tom Wolfe que o diga.
Nascido em uma família judia de Manhattan, Liebling foi criado em um ambiente secular. Uma das lembranças de infância era a sucessão de governantas alemãs que ele chamava indistintamente de Fraülein, as quais tentavam assustá-lo, segundo o próprio, com histórias de crianças devoradas por um ogro porque haviam desobedecido suas Fraüleins. "Qualquer um que tenha tido uma governanta alemã entenderia a Polônia", escreveu.
Embora não fosse filósofo, Liebling nos legou um dos conceitos mais importantes do pensamento moderno, a meu ver. O insight veio em Paris, para onde partiu em 1926, aos 22 anos, para uma estadia de estudos e, principalmente, de extravagâncias gastronômicas. A experiência está nas deliciosas crônicas do livro Fome de Paris, publicado no Brasil em uma edição, hoje esgotada, da Ediouro.
Liebling é da geração de escritores que descrevem suas relações com prostitutas, como anotou, certa vez, um resenhista. Angèle, que conheceu na temporada francesa, tinha o que ele chamou de personalidade terapêutica ("Ela fazia a gente se sentir bem"). E disse algo que poupou-o, em suas próprias palavras, de muitos honorários a analistas: "Você não é bonito, mas é passável". Liebling, que tinha o physique du rôle de Alfred Hitchcock, explicou: "Minha cabeça rodava com a generosidade de seu elogio. Se tivesse dito que eu era bonito, eu não teria acreditado. Se tivesse me chamado de repelente, eu não teria gostado".
Ele tem razão. Passável é tudo que precisamos ser. Não é que não seja legal ser bonito e sexy. É que isso, temos que admitir, é prerrogativa de uma parcela minoritária da população mundial. O insight de Liebling merece a consideração dos nossos melhores filósofos. Proponho que o conceito seja utilizado assim mesmo, em francês, como ele ouviu de Angèle. Tem coisa mais bonita do que ser passable?
Coluna
Fábio Prikladnicki: Você é passável?
Embora não fosse filósofo, Liebling nos legou um dos conceitos mais importantes do pensamento moderno
Fábio Prikladnicki
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