Alguns dos monumentos e obras de arte mais importantes da Capital, que deveriam servir de cartão-postal para a metrópole e atrair a admiração de turistas, servem até de banheiro improvisado e costumam cativar vândalos em vez de viajantes. Autor de um dos trabalhos artísticos mais emblemáticos da cidade, o Monumento aos Açorianos, Carlos Tenius viu as bases da sua criação serem corroídas pela urina humana.
- Foi usado ali um aço especial, mas a corrosão está muito feia devido ao ácido úrico - lamenta o criador da homenagem.
Depois de ser implantada uma cerca ao redor da obra, está sendo encaminhado um projeto de restauração. Na terça-feira, foi realizada uma vistoria por técnicos a fim de avaliar a condição da estrutura - que jamais deveria ter chegado a essa situação, conforme o professor e pesquisador José Francisco Alves. Ele conta que já teve de ligar para o DMLU e solicitar uma limpeza de emergência nos arredores do monumento para, no dia seguinte, poder exibi-lo a um representante do governo português em viagem. O pesquisador avalia que isso é problemático porque empobrece a paisagem, diminui a qualidade de vida e inviabiliza que a Capital utilize seu acervo artístico para incrementar o turismo.
- Barcelona é uma cidade conhecida não pela sua praia, mas pelas suas obras. A imagem mais conhecida do Rio de Janeiro é uma escultura, o Cristo Redentor - analisa.
Confira alguns exemplos de como a incapacidade do município e a falta de cuidado por parte da população, ao longo de várias décadas, comprometeram algumas das obras artísticas mais significativas da cidade.
Pichação, fogo e ferrugem
Quando o complexo do Túnel da Conceição foi concebido, concluiu-se que era necessário um grande respiradouro para facilitar a passagem de ar entre a parte de baixo e a de cima do terreno. Com esse objetivo, foi construído um grande retângulo de concreto em uma extremidade da Praça Dom Sebastião, próximo ao colégio Rosário. Para que o monólito não se tornasse elemento de poluição visual, foram encomendados quatro painéis de aço recortado ao artista Xico Stockinger, inaugurados em 1972.
Hoje, mesmo após algumas tentativas de recuperação, o conjunto mistura as duas coisas: beleza garantida pelas imagens de Xico Stockinger e poluição visual provocada por pichações, corrosão das chapas metálicas, pedaços de aço entortados por vandalismo e até marcas de fogueira junto à base da estrutura.
Foto: Mauro Vieira
Nem conservada, nem melhorada
"Conservar melhorando" diz a placa instalada no obelisco que sustenta a imagem do político gaúcho Julio de Castilhos na praça mais importante do Estado - a da Matriz, ao redor da qual se veem a Catedral, a Assembleia Legislativa e os palácios Piratini e da Justiça. Logo abaixo da mensagem de inspiração positivista, as figuras esculpidas em homenagem ao líder republicano não estão conservadas, nem melhoradas em relação aos últimos anos de descuido.
Pichações, restos de adesivos e até tinta desfiguram um dos mais importantes e bem localizados monumentos gaúchos. As unhas dos dedos dos pés de uma das figuras masculinas que ladeiam Castilhos estão pintadas de vermelho vivo, assim como os lábios. Ao centro, o líder rio-grandense só escapou dos estragos porque está em um nível elevado em relação ao solo. Mas não se sabe por quanto tempo.
Foto: Mauro Vieira
Levaram os louros da República
Em plena Praça da Alfândega renovada, uma versão em bronze da figura do político, diplomata e jornalista Barão do Rio Branco (1845 - 1912) parece admirar a reforma feita nos últimos anos no local. Logo abaixo dele, fora do seu imaginário alcance visual, está uma figura feminina representando a República. Com a mão esquerda, segura a bandeira do Brasil. No lado direito, há apenas um eixo de metal prateado onde deveria estar a outra mão alcançando ao barão uma coroa de louros - arrancada há uma década.
O trabalho foi realizado pelo alemão Alfred Adloff e instalado em 1916, sob celebrações que incluíram um desfile comemorativo. Acredita-se que a mão da estátua tenha sido alvo de furto em razão de ser feita de bronze. Os furtos são uma das principais ameaças a obras de arte da Capital desde os anos 1990.
Foto: Mauro Vieira
[Correção: A obra que se encontra na Praça Dom Sebastião, próximo ao colégio Rosário, em Porto Alegre, é de autoria de Xico Stockinger, e não de Vasco Prado. O texto já foi corrigido.]
Autor morreu antes da reforma
Diante do campus central da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em uma ponta da Redenção próxima à Osvaldo Aranha, há uma obra abstrata cujas formas atuais foram definidas pelo autor e pelo descaso. O formato inicial, combinando linhas sinuosas, foi alterado pelo tempo e se assemelha a um pedaço de ruína.
A obra do artista Gilberto Pegoraro faz parte do primeiro conjunto de arte abstrata implantado em áreas públicas da Capital, nos anos 1960, comissionado a escultores recém-formados pelo Instituto de Artes da UFRGS. Há cerca de 10 anos, o professor de escultura José Francisco Alves convidou o autor para reconstituir a peça com auxílio de alunos. Pediram apoio da prefeitura para conseguir tapumes e uma fonte de energia de 220v. Não conseguiram, e o autor morreu em 2007. Agora, o município garante que vai providenciar o reparo.