Em uma conferência sobre o jovem, Walcyr Carrasco resolveu fazer a ressalva do passado. Carrasco, que realizou a primeira conferência da Jornada Nacional de Literatura nesta quarta-feira, lembrou que o jovem, muitas vezes tido como um renovador radical, também é fruto de uma história que às vezes ele sequer conhece.
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- Tem uma coisa que me incomoda na palavra juventude e no comportamento dos jovens. Quando encontro alguém muito jovem, às vezes ele se comporta de como se não houvesse história atrás dele. Existe o mito de que o jovem vem e reconstrói uma civilização, que não tem passado alguma por trás disso.
Para reforçar seu ponto de vista, Carrasco citou a Bìblia para lembrar que a mulher de Putifar já se comportava como uma vilã de novela:
- O que ela faz? Ela quer o José, José não a quer, ela rasga as roupas e vai contar ao marido que José tentou "pegá-la à força", traduzindo para o que diríamos hoje. Vocês já viram essa cena incontáveis vezes.
Escritor e telenovelista, Carrasco conversou no palco da jornada com os anfitriões oficiais do evento, os escritores Ignácio de Loyola Brandão e Luciana Savaget, e com o professor do curso de Letras da UPF Miguel Rettenmayer.
Loyola começou fazendo o elogio de Carrasco, seu ex-colega de redação na Revista Vogue, no início dos anos 1990. Carrasco corrigiu lembrando que na verdade perdeu a oportunidade de trabalhar com Loyola quando era um jovem jornalista free-lancer nos anos 1970 e não entregou alguns artigos prometidos para a revista Planeta, que Loyola editava. Acompanhando tudo, o chargista Paulo Caruso produzia charges de acordo com a conversa, exibidas em um telão, a exemplo do que o artista também faz no programa Roda Viva, da TV Cultura.
Ao longo da conferência, o tema foi se deslocando do jovem de modo geral para a própria experiência de Carrasco como autor de novelas - está no ar atualmente com Amor à Vida, na RBSTV. Ao ser perguntado por Loyola sobre quais seus procedimentos para escrever um personagem jovem em uma telenovela, Carrasco respondeu que evita as gírias, porque são um código datado que muda muito rápido, mas que sua imaginação é ajudada pela sua própria formação.
- Eu fui jovem nos anos 1960, quando surgiram muitos dos comportamentos e questionamentos que ainda hoje estão presentes - disse.
O autor explicou também o uso que faz de seus colaboradores. Enquanto alguns novelistas dividem a tarefa de escrever os capítulos com seus assistentes, ele faz questão de escrever tudo, mas precisa de auxílio com pesquisas e mesmo com a memória.
- Chega uma hora em que eu me esqueço quem beijou quem, quem fez o quê, prometo revelar um grande segredo e todo mundo na novela já estava sabendo - comentou.
Ao ser perguntado, por Luciana, sobre o personagem Félix, homossexual e vilão da trama atualmente na TV, Carrasco declarou que esperava problemas com o personagem, devido ao que considera uma nova forma de censura, o politicamente correto. Félix, no entanto, não provocou as maiores dores de cabeça, e sim algumas cenas nas quais uma personagem discutia o aborto e outra na qual um gay se sentia atraído por uma mulher. De acordo com ele, os religiosos criticaram a primeira e os movimentos de homossexuais deploraram a segunda.
- Acho que estamos vivendo hoje uma ditadura do politicamente correto que é uma nova forma de censura que se passa por boazinha. Você tem grupos ultraliberais que acham que não se deve discutir mais tal coisa e grupos religiosos que querem colocar questões na novela o tempo todo. É uma tentativa de criar uma visão idealizada do mundo, porque não se colocam certos temas, não se fala de certas coisas, o que não é nunca preparar um cidadão para amanhã.
Ao fim da conferência, o bate-papo enveredou para uma discussão das deficiências da estrutura de mercado para a literatura no Brasil. Carrasco comentou que o atual modelo de negócios, de inspiração americana, é uma armadilha para a literatura, com espaços vendidos em estantes de livrarias para promover sempre os mesmos livros e dificuldade de acesso ao livro nas lojas do setor.
- A TV pôr na cabeça das pessoas essa ideia americana de que livro bom é o que faz sucesso e o que faz sucesso é o que vende e aparece. Por essa lógica, quem seria melhor? Graciliano Ramos, que vende muito pouco hoje, ou a mulher lá que escreveu 50 Tons de Cinza?