A tradição da culinária vietnamita de Atlantic City
Robert Sietsema
Atlantic City, Nova Jersey - Os nova-iorquinos vivem reclamando das ofertas de comida vietnamita; alegam que é muito mais fácil achar um pho maravilhoso em lugares como Houston, San Diego e Falls Church, na Virgínia (lugares famosos pela culinária vietnamita nos EUA), mas quando encontram um lugar que faça a famosa sopa de carne e macarrão de arroz na cidade, ela é sem graça e inconsistente.
A pouco mais de 200 km de lá, porém, em uma meca da jogatina, há um punhado de cafés que preparam alguns dos pratos vietnamitas mais autênticos com que se possa sonhar, onde as tigelas fumegantes de pho oferecem aqueles sabores que fazem os gourmets pularem de alegria.
Como o pho dac biet do Hu Tieu Mien Tay, por exemplo. Essa casa modesta, de Ha e Thomas Vu, com luminárias de neon e pinturas chinesas de raptores sobre despenhadeiros nas paredes, fica escondida da praça de alimentação do Asian Supermarket em Pleasantville, Nova Jersey, de frente para Atlantic City, do outro lado da baía - e, no entanto, na hora do almoço fica lotada, não só de vietnamitas, mas gente de todos os tipos e classes, no mais absoluto silêncio (exceto pelo barulho na hora de sorver a dita sopa).
O pho ali é, disparado, o campeão de pedidos. Sua base é um caldo de carne cor de âmbar, enfeitado por gotículas de óleo. O primeiro sabor na língua é o do anis-estrelado, seguido, em uma rápida sucessão, por cebolinha, coentro, alho, cebola, gengibre tostado e talvez um toque de frango, se estiver fervendo muito tempo. Por último vem o aipo-chinês, ingrediente que os restaurantes de Nova York geralmente omitem. No fundo da tigela, uma generosa porção de carnes, incluindo filé cru fino feito folha de papel - cuja cor rosada vai se perdendo diante dos olhos - tiras brancas de bucho, tendões e peito macio, em uma mistura que lembra os pratos que qualquer mãe judia poderia preparar.
Apesar de a sopa já chegar maravilhosa à mesa, você ainda é incentivado a personalizá-la - primeiro com ingredientes de uma travessa com broto de feijão, jalapeños em fatias, manjericão pequeno, limão e uma erva chamada coentro vietnamita. Por fim, há uma dúzia de vidrinhos de condimentos, obviamente com alguns feitos em casa, incluindo molho de peixe, purê de pimenta malagueta, hoisin com cara e jeito de caramelo e (em uma aparente homenagem aos colonizadores franceses) vinagre de vinho tinto.
E como é que um pho tão autêntico foi parar justo ali?
Lien Pham, chef e dona do Little Saigon, conta como abriu o primeiro restaurante vietnamita de Atlantic City, longe das casas de jogo, em uma ruazinha escondida que se tornou o centro do bairro étnico. "Vim para cá nos anos 80 para trabalhar num dos cassinos, que empregavam muitos vietnamitas. Um dia uma amiga me perguntou: 'Por que você não abre um restaurante?' E foi o que fiz."
Decorado com instantâneos dos clientes e resenhas de publicações locais, o pequeno café de Pham é o estabelecimento vietnamita mais conhecido, além de ser o que provavelmente atrai mais os banhistas, o pessoal de férias e os jogadores. Entre as especialidades do que pode ser considerada "alta gastronomia franco-indochinesa", incluem-se o tom ram man (camarão suculento grelhado e cozido em molho de caramelo numa travessa de argila, temperado com hortelã) e bo xa luc lac (cubos de carne fritos, recobertos de pimenta preta e servidos com folhas alface e radicchio servindo de embrulho).
O Little Saigon abriu em 1991; hoje há seis filiais na região e uma em Egg Harbor Township. Segundo o censo de 2010, havia 1.400 habitantes de ascendência vietnamita em Atlantic City, cuja população é de apenas 40 mil pessoas. Nas últimas duas décadas os cassinos vêm se esforçando para atrair clientes chineses e vietnamitas - em parte com a decoração temática dos salões, áreas extravagantes de entretenimento e noodle bars pequenos e meio escondidos onde a clientela pode se refestelar nas delícias asiáticas antes de voltar ao jogo.
Um bom exemplo em pleno calçadão, no Bally's, é o Noodle Village, no qual o pho e um rolinho primavera chamado cha gio são os destaques do cardápio enxuto; nas noites mais movimentadas, a casa fica aberta até as seis da manhã. Eu provei a sopa recentemente, por volta da meia-noite, e seu sabor era totalmente respeitável, apesar de um pouco mais fraca e com menos acompanhamentos do que a que é servida no centro.
Mesmo sendo um verdadeiro ímã para os amantes da culinária do Sudeste Asiático e servido em inúmeras versões memoráveis, o pho não é o caldo favorito dos imigrantes de Atlantic City, que a consideram uma especialidade do norte. "Os pratos do sul são mais fartos, levam mais noodles, e são bem mais leves do que os do norte", explica o garçom de outro restaurante étnico, o Pho Sydney.
A versão a que eles se referem e que é a preferida da área é o hu tieu, da região do delta do Mekong, a sudoeste do que hoje é Ho Chi Minh, mas que muitos imigrantes que vivem nos EUA ainda chamam de Saigon. A base dessa sopa branca é um caldo de carne de porco, lotada de pedaços da carne e camarões. De fato, o restaurante da praça de alimentação de Pleasantville tem até o prato no nome: hu tieu mien tay (hu tieu do sudoeste).
Os outros pratos do cardápio refletem as raízes khmer do sudoeste do país, incluindo uma salada de papaia verde que leva fitas crocantes da fruta, hortelã e manjericão, com uma porção generosa de amendoim torrado por cima.
Outros restaurantes oferecem inúmeras variações do hu tieu, que passam a levar o nome da cidade. Algumas versões substituem os noodles de ovos - provavelmente introduzidos no sudeste da Ásia pelos holandeses - pelos de arroz e há também a versão com fios de feijão-mungo.
Longe dos cassinos, em uma área residencial, o Pho Cali oferece a versão chamada My Tho, mesmo nome da capital da província de Tien Gang, que leva fatias de embutido de porco (que lembra vagamente a mortadela), camarão, bolinho de peixe, macarrão de feijão-mungo e uma mistura de ervas em que se destacam o sabor do coentro e da cebolinha.
A casa mais próxima dos cassinos, do lado leste do calçadão, é o Com Tam Ninh Kieu, com a fachada pintada de fúcsia para não ser confundida com as adegas, lojas de bebidas, casas de massagem e de agiotagem próximas.
Ninh Kieu se refere a um bairro urbano da região de Can Tho; com tam denomina os pratos de arroz cobertos por ingredientes como bisteca de porco, torresmo picado, omelete de carne de caranguejo e frango grelhado, ingredientes básicos da cozinha popular daquele país. O restaurante oferece onze tipos, incluindo os que levam pé de porco, frango, almôndegas e vários tipos de noodles de ovos e arroz.
A poucos quarteirões dali, na mesma avenida, fica o Pho Sydney (que tem esse nome porque o dono já morou na Austrália, explicou o garçom). É o maior restaurante do gênero da ilha e o mais novo também, tendo apenas cinco anos. Lá dentro, as paredes são de tijolinho exposto, com o nome da casa desenhado em minúsculas luzinhas, como acontece nos cassinos. As mesas longas acomodam famílias inteiras que apreciam o cardápio abrangente e o ambiente despojado. Serve uma versão esplêndida do "bun bo hue", uma sopa de caldo de carne pesada e picante com capim limão, originária de Hue, região central do Vietnã, e noodles de arroz que conseguem perfeitamente se fazer passar por espaguete.
Como o garçom nos avisou, a sopa é muito mais substanciosa que a versão do sul - mas se lá fora a temperatura estiver baixa e você não tiver muita sorte no jogo, talvez essa maravilha quentinha e saborosa seja exatamente aquilo de que precisa.