O que um ex-agente da CIA que revelou segredos do governo americano e as manifestações de junho no Brasil têm em comum? Os dois assuntos ainda estão quentes e já viraram inspiração para livros, filmes e músicas. A tendência de aproveitar temas da hora é impulsionada por novas formas de produção.
Atualmente um dos inimigos públicos dos EUA, o ex-agente da CIA Edward Snowden é acusado de vazar segredos que arranham a imagem do governo de Barack Obama perante a opinião pública. Depois de um período sumido, Snowden apareceu na última sexta-feira, na Rússia, e solicitou asilo temporário, acrescentando mais um episódio ao imbróglio que já virou tema de um curta-metragem de Edwin Lee. Verax custou US$ 540 e mostra a passagem de Snowden por Hong Kong.
- Senti que era uma grande oportunidade de fazer algo simultaneamente a eventos da vida real e ser uma alternativa à cobertura da mídia usual - explica Lee, que fez tudo em quatro dias e com atores amadores.
O cineasta diz que, com os equipamentos cada vez mais baratos e melhores, há mais espaço para gente como ele e sua equipe, que fazem um cinema "de guerrilha, sem qualquer preocupação financeira ou comercial". Para além da tecnologia, eles acreditam que registrar fatos no calor do momento pode ser uma revolução.
- Gosto da ideia de misturar narrativa cinematográfica e eventos da vida real que estão se desenrolando em tempo real. Isso proporciona ao público duas maneiras de ver uma história - acredita Lee.
O clamor popular que tomou conta das ruas do Brasil nem deixou de ecoar e já virou música, pelas bandas Capital Inicial (Viva a Revolução), Raimundos (Politics), ConeCrewDiretoria (Pronto pra Tomar o Poder),RPM (Primavera Tropical) e até pelo cantor Seu Jorge (Chega). Dinho, vocalista do Capital, disse que fazer música foi a forma que o grupo de Brasília encontrou para apoiar os protestos - gravada de maneira caseira, a canção foi disponibilizada no site oficial da banda.
- Vejo isso de maneira muito positiva, acho que as coisas nunca mais serão as mesmas no Brasil. E os músicos precisam fazer sua parte - diz Dinho.
Mestre em Teoria Literária e Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo, o escritor e poeta pernambucano Fabiano Calixto inspirou-se no cheiro das bombas de gás da polícia para organizar Vinagre - Uma Antologia de Poetas Neobarracos. Lançado em formato de e-book,o livro reúne mais de uma centena de escritores, alguns convidados pessoalmente por ele, outros, que enviaram material após um pedido via Facebook.
- Sem a internet (e mesmo sem as redes sociais) um projeto destes seria inviável (pelo menos no calor da hora). A coisa tinha que ser como uma expressão usada no futebol: de bate-pronto - aponta Calixto, via e-mail.
A organização dos escritos foi rápida: em quatro dias, Calixto havia reunido o material e lançado o e-book, composto quase que totalmente por material inédito dos participantes.
- A coisa precisava ser colocada com urgência, e preferi o político, a ação direta, ao poético. Não tive pretensão de fazer "a" antologia das manifestações, mas apenas me solidarizar com o movimento - diz o poeta.
Com outro viés, mas utilizando o mesmo processo e ferramentas, o filósofo e professor da Unicamp Marcos Nobre lançou Choque de Democracia. Partindo da agitação política e social do último mês, ele questiona a representação partidária no Brasil no livro virtual que escreveu em 10 dias e foi colocado à venda pela editora Companhia das Letras via Breve Companhia, o selo da casa para os chamados "instant e-books"- livros que tratam de assuntos quentes.
As manifestações de junho também serviram de argumento para Marcus Vinicius Faustini, escritor e diretor teatral. Ele prepara um longa-metragem (ainda sem título) sobre um triângulo amoroso entre personagens que se conhecem nas passeatas, e deverá usar imagens gravadas por ele e por participantes das marchas. A cada nova saída a campo,ele, os atores e uma equipe de filmagem acrescentam um novo episódio à trama. Às vezes, os atores improvisam, às vezes encenam, às vezes entrevistam manifestantes, reagindo ao contato direto com o calor do protesto.
- Não considero meu filme como uma intepretação que vai explicar "olha, é isto o que está acontecendo". Estou encenando uma camada narrativa sobre tudo o que está acontecendo. É a minha forma de agir politicamente, estar presente na passeada fazendo um filme, narrando uma dimensão íntima de algo que está sendo hegemonicamente narrado à distância pela imprensa - diz Faustini