Feéricos foram aqueles anos 1920, que transcorreram entre a pujança econômica e cultural vinda ao final da I Guerra e a Grande Depressão que pulverizou fortunas e fez carruagens virarem outra vez abóboras. O escritor americano F. Scott Fitzgerald foi protagonista e atento observador daquele tempo de desbunde. Fez dele a matéria-prima de O Grande Gatsby, um dos mais aclamados clássicos da literatura americana, cuja nova adaptação para o cinema entra em cartaz nesta sexta-feira.
Esta quarta versão de O Grande Gatsby para o cinema - tem mais uma para a televisão -chega pelas mãos do diretor australiano Baz Luhrmann. E depois da decepção que foi o melodrama romântico Austrália (2008), Luhrmann retomou o estilo extravagante e pirotécnico que, bem ou mal, lhe deu a fama de cineasta ousado e original.
Assim como em Romeu + Julieta (1996) e Moulin Rouge - Amor em Vermelho (2001), a reconstituição de época em O Grande Gatsby é ao mesmo tempo primorosa (na cenografia e no figurino) e espalhafatosa ao cubo. Não tanto pela retumbante trilha sonora pop que faz melindrosas dançaram na batida de Jay Z e Kanye West, mas pelo mau uso que o diretor faz das trucagens visuais para justificar o injustificável uso do 3D.
Em meio a esse exercício estilístico e narcísico de Luhrmann, somos apresentados aos protagonistas. Diferentemente do livro e da conhecida adaptação de 1974 estrelada por Robert Redford e Mia Farrow, a história desta vez é contada em flashback pelo narrador, Nick Carraway (Tobey Maguire). Aspirante a escritor e corretor da bolsa de Nova York, Carraway vai passar o verão de 1922 na opulenta região litorânea de Long Island, onde sua prima, Daisy (Carey Mulligan), vive com o marido milionário, Tom (Joel Edgerton). A casa modesta alugada por Carraway é próxima ao palacete de Jay Gatsby, figura excêntrica que fez fortuna de forma nebulosa e viveu uma relação mal resolvida com Daisy.
Quando deixa de lado o frenético cotidiano de futilidades e festas de arromba que seduzem Carraway, na primeira metade do filme, e centra foco no aspecto mais melancólico dessa paixão juvenil abortada pelo destino, o filme engrena. Talvez não o suficiente. Será lembrado como mais uma tentativa frustrada de traduzir, para além do romance central, a crônica moral aguçada que Fitzgerald fez dessa era - ele concluiu o livro na alucinada Cidade Luz retratada por Woody Allen em Meia-Noite em Paris. O melhor de O Grande Gatsby é, em resumo, ver o quanto DiCaprio evolui como grande ator.
Um livro clássico, porém contestado
Carlos André Moreira
O Grande Gatsby não é só um clássico. É um dos grandes clássicos contestados da literatura. Escrito nos anos 1920, é considerado a obra-prima de F. Scott Fitzgerald e um emocionante retrato da mítica e louca era do jazz. Mas, desde sua publicação, nem todos o consideraram um romance tão bom assim.
Em um compêndio da fortuna crítica do livro, Harold Bloom comenta que as principais reações na época do lançamento foram negativas, apesar da aprovação episódica e entusiasmada de gente como Edith Wharton, Gertrude Stein e T.S. Eliot.
Uma discussão que não está confinada ao passado - este mês ainda, a jornalista Kathryn Schulz, da revista Vulture, provocou polêmica com um artigo sobre os motivos pelos quais odeia o livro. Talvez seja a enganosa simplicidade ou a falta de juízo moral o que provoque tanta resistência a um livro que, contestado, sobrevive.