*Matéria publicada originalmente em 05 de dezembro de 2007 (jornal Zero Hora)
É difícil saber em qual Michel Houellebecq se deve acreditar. Se é aquele que, pela manhã, fumando um dos primeiros cigarros do dia sob as árvores da reitoria da UFRGS, jura que seus livros não apresentam tese nenhuma, ou se naquele que, durante a tarde, em entrevista coletiva, se mostra apavorado diante dos relacionamentos e da velocidade do mundo moderno.
O romancista, um dos maiores bestsellers da França, honrou a fama de esquisito em sua passagem por Porto Alegre, onde fez ontem a última palestra do seminário Fronteiras do Pensamento. Com olhar intimidador, cabelo desgrenhado e voz baixa, Houellebecq parece fazer questão de colaborar com o folclore a seu respeito, que lhe atribui as mesmas carcterísticas dos personagens de seus livros - antisociais e desiludidos com o mundo. Para completar, costuma narrar as histórias em primeira pessoa. Mas jura que não se parece com seus personagens:
- Há apenas encontros, ligações. Diante das perguntas sobre teses e filósofos pós-modernos, Houellebecq faz questão de desmistificar seus romances, geralmente classificados pela crítica como grandes tratados sobre a condição oprimida do homem europeu diante da pós-modernidade.
- Não leio esses filósofos - desdenhou, com olhar vago entre a fumaça do cigarro. À tarde, diante da platéia de jornalistas ansiosos, reiterou o discurso:
- Um romancista não exerce o mesmo papel de um intelectual. A literatura é uma forma de entretenimento. Mas fica difícil de acreditar em seu discurso inicial quando, em seus quatro romances mais famosos, pelo menos dois temas se repetem, quase obsessivamente: a solidão e a pobreza da vida sexual do homem europeu moderno. Seus personagens teorizam e criam aforismos, como "Não se deve confiar numa mulher que tenha passado pelas mãos de um psicanalista".
Diante da insistência dos jornalistas, o escritor pareceu se render. Na reta final da entrevista, deixou transparecer que suas avaliações sobre o mundo não são assim tão diferentes das de seus personagens. Sobre a cultura: - O mundo está ao mesmo tempo acelerado e tedioso. Sobre os relacionamentos: - As pessoas estão caminhando para uma vida de relações empobrecidas, porque não têm tempo.
Por fim, reconheceu que seus livros falam da realidade que o incomoda:
- Na questão da ausência de desejo sexual, é possível que eu tenha sido um profeta em meus livros. Há cada vez mais assexuais na França. Sobre o terrorismo, também previ. As manchetes estavam salvas. Os jornalistas deixaram a sala riscando do bloco outro aforismo do autor:
- O nível da crítica literária é baixo. É preciso, portanto simplificar, para a polêmica vender jornal.