*Matéria publicada originalmente em 19 de agosto de 2008 (jornal Zero Hora)
Terminou ontem uma semana histórica para os cinéfilos porto-alegrenses. Oito dias depois do norte-americano David Lynch, foi a vez de o alemão Wim Wenders encantar o público do seminário Fronteiras do Pensamento.
Com bom humor, fala pausada e um discurso otimista, oposto ao do cineasta britânico Peter Greenaway, astro do Fronteiras do ano passado, Wenders falou sobre sua obsessão pelos filmes de estrada, as críticas que têm recebido nos últimos anos e o futuro do cinema.
Pela manhã, o cultuado diretor de produções como Paris, Texas (1984) e Asas do Desejo (1987) atendeu ao pedido da equipe do gaúcho Gustavo Spolidoro: em um quarto de hotel, respondeu a questões semelhantes às que fizera durante o Festival de Cannes de 1982 a grandes cineastas sobre o futuro do cinema e que resultaram no documentário Quarto 666 (leia mais no quadro ao lado).
No início da tarde, ainda com um café e um prato de sobremesa sobre a bancada montada pela organização do seminário, demonstrou boa disposição na coletiva de imprensa - mesmo com as perguntas mais delicadas, como sobre a repercussão negativa de seu último filme, Palermo Shooting (sem estréia prevista no Brasil).
- Esse filme fala da morte, que é o maior tabu do cinema. Talvez por isso tenha sido mal-recebido. Nos filmes de hoje se pode matar à vontade, mas, reflexões
sobre a morte, isso não parece ser muito tolerado -afirmou.
Questionado sobre as provocações de Greenaway, que, em 2007, no mesmo palco do Salão de Atos da UFRGS, sentenciara o cinema à morte por não ter "desenvolvido sua linguagem aproveitando as possibilidades das novas tecnologias", economizou nas palavras. Mas não na sua contundêcia:
- A diferença entre Greenaway e eu é que ele é um pessimista e eu, um eterno otimista. A história do cinema é circular, dá voltas. Inovações aparecem de todos os paí ses, a qualquer momento. Hoje Greenaway está certo (ao dizer que novas tecnologias não levaram a linguagem do cinema a evoluir), mas talvez o futuro diga que está errado. Torço para isso.
O otimismo foi a marca de seu discurso até quando Wenders foi instigado a comparar seus trabalhos atuais com os do início de sua trajetória: - Nasci logo após a II Guerra, num país devastado. Não tive pais alemães no cinema, só avós. Meus mestres são cineastas de outros países. Se hoje pareço fazer um cinema desvinculado de referenciais históricos (como sugeriu a pergunta), é porque estou muito mais interessado no futuro do que no passado.
E o futuro, indica Wenders, ele próprio um professor em Berlim, onde mora, está no ensino do cinema. - Levo muito a sério o ato de dar aula. E numa escola de arte, que ensina os jovens a fazer arte, e não a produzir de acordo com as regras do sistema.
Como que legitimando seu discurso, antes de se dirigir ao palco do Fronteiras, onde conversou como público com mediação de Carlos Gerbase, ele ainda fez a alegria de uma platéia de alunos de cinema da PUCRS, numa palestra cheia de revelações sobre os bastidores de alguns de seus filmes. Pelo incentivo que sua presença representou, e pelo encanto que provocou em todo o público, a retórica nem precisava ser tão positiva.