Um lavava toalhas em uma barbearia e o outro era atendente em uma lanchonete de fast-food. Quando havia uma festa de casamento, eles levavam os microfones e cantavam os raps que haviam composto, recebendo em troca uma chuva de pedras.
Agora eles estão entre as maiores estrelas em ascensão do Egito, a nação mais populosa do mundo árabe e o maior mercado musical da região. Com os pseudônimos Okka e Ortega, ambos têm feito shows no Egito e em outros países.
Em poucos anos, esses e outros músicos jovens criaram um novo gênero musical voltado para um público socialmente consciente, ganhando espaço no cenário musical egípcio.
Suas canções são anteriores à revolução política que derrubou o presidente Hosni Mubarak em fevereiro de 2011 e a maioria dos músicos não fez parte dos protestos na Praça Tahrir. Entretanto, a crise que ocorreu desde então levou a enorme população jovem do Egito a procurar vozes que abordassem problemas com os quais a juventude do país se preocupa.
Metade dos 85 milhões de egípcios tem menos de 25 anos e muitos encontraram o que procuravam em um gênero áspero e desafiador conhecido em árabe como "mahraganat", ou "festivais". Naturalmente, as batidas frenéticas da música também ajudaram.
- Fizemos músicas para as pessoas dançarem, mas também para pensarem a respeito de seus problemas - afirmou Alaa al-Din Abdel-Rahman, de 23 anos, mais conhecido como Alaa 50 Cent - Dessa forma, todos escutariam e prestariam atenção ao que está se passando em suas cabeças.
A música é uma mistura entre canções tradicionais egípcias de casamento, hip-hop americano e qualquer outra coisa que os criadores consigam baixar de graça pela internet. Os vocais são rápidos, improvisados e extremamente modificados com o Auto-Tune.
As canções tiveram milhões de acessos no YouTube e levaram seus criadores a se apresentarem em shows internacionais, além de aparecerem em filmes árabes e comerciais na televisão. No Cairo, o som pode ser ouvido em todos os cantos, saindo de taxis, barcos sobre o Nilo ou celulares nas ruas.
A rápida ascensão desse gênero que surgiu nas vielas dos bairros pobres do Cairo e chegou aos aparelhos de som, casamentos da alta classe e até mesmo comerciais de televisão reflete as mudanças profundas na sociedade egípcia desde a revolução. Cada vez mais pessoas estão em busca de discussões francas sobre problemas sociais e estão dispostas a romper barreiras sociais para encontrá-las. Assim como a revolução, a música partiu de jovens que viam as próprias vidas sem muita esperança no futuro. Por isso, fizeram barulho, espalharam ideias por meio de mídias sociais e ficaram surpresos com os resultados.
Abdel-Rahman e o parceiro, o cantor Sadat Abdel-Aziz, de 26 anos, cresceram no bairro de Medinat al-Salam, um local pobre e repleto de viciados em drogas e prédios em ruínas na cidade do Cairo. Segundo a dupla, eles sempre tiveram dois objetivos musicais: falar sobre a vida de seu bairro e fazer as pessoas dançarem.
- Eu posso cantar e dançar em festas de rua, mas falo sobre a situação em que me encontro e como todos nos sentimos - afirmou Abdel-Aziz em uma noite recente, em frente a uma rua de terra cheia de lixo perto de seu apartamento, com os dreads amarrados sobre a cabeça.
Em 2008, a dupla se uniu a um jovem tímido chamado Amr Muhammad, que gostava de editar músicas com a ajuda de programas pirateados. Agora ele se tornou um guru musical famoso conhecido como Amr Haha e é um dos principais responsáveis pela criação do estilo mahraganat.
As primeiras músicas do trio falavam sobre haxixe, sexo, amizade e traição, mas não sobre política. Contudo, isso mudou com a ascensão dos movimentos contrários ao governo de Mubarak em janeiro de 2011, e Abdel-Aziz cantou uma música chamada "O Povo e o Governo":
- O povo e o governo, as metralhadores e as baladas, / O Egito renasceu e até quem não roubou caiu, / Vou falar sobre quem ficou em pé, sobre os sobreviventes e os mortos, / Vou falar sobre a igreja, a mesquita e a Irmandade.
Jovens revolucionários à procura de uma trilha sonora para seu movimento encontraram o que queriam. Em pouco tempo o grupo foi convidado para cantar fora do país e em lugares chiques do Egito.
Desde então, eles abordaram outras questões delicadas no Egito, muitas vezes de forma não tão saudável. Quando a questão do assédio sexual e do abuso contra mulheres passou a ser abordada nos protestos, o grupo falou sobre o assunto, mas provavelmente não da forma que as mulheres preferiam ter ouvido, com uma canção chamada - Pode bater, mas não assedie.
À medida que a economia egípcia desacelerava, eles subverteram a palavra de ordem mais famosa - "O povo quer a queda do regime" - por uma exigência um pouco mais prosaica - O povo quer cinco libras de crédito no telefone. (Cinco libras egípcias equivalem a cerca de US$ 0,70.)
Bandas de outros gêneros musicais, como folk e rock, também falaram sobre os problemas sociais, mas sem ganhar as massas como o mahraganat. Alguns críticos veem a ascensão do mahraganat como um sinal do declínio da sociedade desde a revolução.
- Que Deus me mate - afirmou Hilmy Bakr, um importante membro do sindicato dos músicos, levantando a voz até ficar vermelho - Como as pessoas sabem que uma sociedade chegou ao fim? Quando esse tipo de música faz sucesso.
Das novas estrelas, nenhuma foi mais alto - nem deixou Bakr mais furioso - que Okka e Ortega.
Os nomes reais da dupla são Muhammad Salah e Ahmed Mustafa. Eles começaram como rappers, escrevendo rimas sobre o bairro e pagando por hora para gravar em computadores de cyber cafés.
Embora tenham usado desde o início o fato de serem pobres a seu favor, eles mudaram desde então. Em uma noite recente, em seu apartamento modesto, eles se gabavam do futuro: um novo disco e um clipe em primeiro de junho, viagens para os Estados Unidos e outros países até o fim do ano e um comercial de gel para o cabelo.
- Precisamos levar essa música para o mundo todo e dizer a quem costumava nos insultar que não estamos fazendo nada estúpido - afirmou Mustafa.
- Quero andar no tapete vermelho - afirmou Salah, passeando pela sala e acenando para uma multidão imaginária - Eu sou Okka!