*Matéria publicada originalmente em 14 de outubro de 2008 (jornal Zero Hora)
Dois figuraças foram responsáveis ontem por uma das conferências mais bem-humoradas - e, ao mesmo tempo, instigantes - do Fronteiras do Pensamento Copesul Braskem 2008.
O romancista cubano Pedro Juan Gutiérrez e o poeta gaúcho Fabrício Carpinejar fizeram a platéia do Salão de Atos da UFRGS rir e também refletir com suas idéias sobre literatura, linguagem e o processo criativo do escritor.
Carpinejar apareceu trajando bombachas, botas e lenço vermelho no peito. Cabeça raspada, com a inscrição "sul" acima da nuca, entregou a Gutiérrez um presente "para embrar do Rio Grande" - uma guampa de touro cheia de uísque. Depois, o poeta leu um ensaio recheado de passagens autobiográficas - de um jeito performático, como sugeria o figurino.
- É preciso separar a linguagem reciclável daquela que não presta mais, como separamos o lixo seco do orgânico - defendeu, usando relações familiares e rotinas domésticas como metáforas da evolução da língua portuguesa. - Palavras são de vidro, palavras são de metal, palavras são de plástico. Não se pode colocar todas no mesmo saco. É preciso usálas com cuidado e, a partir daí, fazêlas evoluir. Por isso a importância da poesia, que é a oficina do idioma, o lugar certo para trabalhá-lo, exercitálo. Palavra é a família, ainda que eu tenha sido trocado na maternidade.
Gutiérrez, que elogiou a prosa "deliciosamente delirante" de Carpinejar, concentrou sua palestra no ofício do escritor - e naquilo que seria sua tarefa diante da sociedade. - A cada livro, os autores literários devem caminhar um pouco mais sobre as fronteiras do silêncio. Escrevo de um jeito visceral, às vezes chamado de pornográfico, para provocar. Por que eu teria de dizer que um casal foi à cama e ponto, iniciando o parágrafo seguinte com o que aconteceu no outro dia? É tarefa da literatura quebrar moralismos como esses.
A conferência terminou com um papo informal e diversas brincadeiras, a maioria envolvendo tipos sociais citados no mais recente livro de crônicas de Carpinejar, Canalha!. E, também, com uma - esperada - decepção: antes de responder os questionamentos do público, o autor de Trilogia Suja de Havana reiterou que não fala sobre política na ilha de Fidel, mesmo que perguntado sobre o assunto. Nada, no entanto, que diminuísse a intensidade dos aplausos dos espectadores.