O roteirista e diretor italiano Luigi Cozzi ministrará sábado e domingo um curso teórico sobre o gênero Giallo, no Santander Cultural (Rua Sete de Setembro, 1.028, centro de Porto Alegre), das 10h às 12h30min. O valor das inscrições é de R$ 120, e ainda há vagas. Os interessados podem se inscrever enviando um e-mail para o endereço nicolas@fantaspoa.com - o curso será ministrado em inglês, e falar o idioma é pré-requisito para inscrição. A atividade é parte da programação do 9º Fantaspoa. Diretor e roteirista, Luigi Cozzi dirigiu o giallo Matador Implacável (1975) e trabalhou com Dario Argento em obras como Quatro Moscas Sobre Veludo Cinza (1971), Phenomena (1985), Dois Olhos Satânicos (1990) e Síndrome Mortal (1995). Confira texto de Cozzi sobre o Giallo, traduzido exclusivamente para ZH.
Giallo é amarelo em italiano, mas na Itália também é o termo usado para designar as obras literárias e cinematográficas cujos protagonistas - sejam eles policiais ou pessoas comuns - investigam um mistério. Este significado particular surgiu em 1929, quando a Editora Mondadori começou a publicar semanalmente os novos romances de autores como Edgar Wallace e Agatha Christie, adotando a cor amarela nas capas dos livros como símbolo característico da coleção. Nas bancas, os leitores começaram a pedir "Me dá o amarelo (giallo)". Foi assim que giallo tornou-se, em nossa língua, sinônimo de histórias de mistério.
Mas os famosos livros amarelos eram quase todos escritos por autores ingleses ou franceses, e os leitores italianos estavam convencidos de que autores do país não sabiam escrever esse tipo de história. Nos anos 1950, a Mondadori até tentou publicar romances do gênero assinados por autores italianos, mas foi um fracasso de vendas. Ironicamente, um desses escritores era o mesmo Sergio Donati que mais tarde escreveria os famosos westerns de Sergio Leone com Clint Eastwood!
A opinião popular sobre o giallo nacional começou a mudar em 1959, com o sucesso do filme Aquele Caso Maldito, de Pietro Germi, baseado no livro de mistério de Carlo Emilio Gadda. Quase simultaneamente, no cinema, um diretor chamado Mario Bava ganhou destaque nos Estados Unidos, e distribuidores norte-americanos financiaram seus dois novos filmes de mistério rodados em Roma: Olhos Diabólicos (1963) e Sei Donne per L'Assassino (1964).
Graças ao seu talento visionário, Bava conseguiu codificar em imagens, pela primeira vez, algumas das principais características do giallo, como a insólita ambientação metropolitana e a violenta representação dos crimes cometidos pelo assassino, sempre usando máscara e luvas. Na Itália, estes dois filmes não foram tão bem-sucedidos quanto nos EUA. Mas logo surgiriam jovens fãs, como Dario Argento.
Filho da modelo carioca Elda Luxardo com o produtor italiano Salvatore Argento, Dario era crítico de cinema e roteirista, e amava os filmes de Bava e Aquele Caso Maldito. O primeiro filme escrito e dirigido por ele foi O Pássaro das Plumas de Cristal (1970), considerado o primeiro giallo cinematográfico moderno, além de um grande sucesso de bilheteria que gerou, até fevereiro de 1975 (quando o mesmo Argento dirigiu Prelúdio para Matar), cerca de 100 produções semelhantes.
Mas seria muito simplista dizer que O Pássaro... e sua fórmula inovadora só existem por causa dos trabalhos anteriores de Pietro Germi e Mario Bava. Seu criador não tinha nem 30 anos de idade quando, em 1968, escreveu o roteiro. Dario foi movido pelo desejo de romper com os padrões e com os os clichês mais banais do cinema comercial. A consequência natural disso foi uma revolução artística que, em pouquíssimo tempo, iria transformá-lo numa estrela nacional.
Também não podemos compreender as origens dessa revolução sem citar a longa associação de Argento com o mestre Sergio Leone. Por mais de um ano, Dario e outro jovem autor italiano, o futuro diretor Bernardo Bertolucci, passaram horas na casa de Leone escrevendo juntos a sua grande obra-prima, Era Uma Vez no Oeste (1968).
O relacionamento foi profundo: Argento considerava Leone o diretor perfeito. Quando me tornei seu amigo, no início de 1970, Dario me falava sobre sua bela experiência com Leone, que sempre lhe dizia: "Pense no filme que você mais gostou, nas cenas que você viu e que queria ter escrito você mesmo. Reveja esse filme e essas cenas, e, se ainda se emocionar com elas, tente encontrar uma maneira de repeti-las na história que está escrevendo".
Para escrever Era Uma Vez no Oeste, Argento e Bertolucci reviram e releram seus filmes e livros preferidos em busca de ideias. Entre eles estavam, obviamente, os romances policiais. De fato, você pode observar que o filme de Leone é estruturado não como um western comum, e sim como uma história de detetive, com um grande mistério a ser resolvido: por que os "caras maus" querem a pequena fazenda herdada pela personagem de Claudia Cardinale?
Argento adotou a mesma prática ao escrever O Pássaro...: ele pegou emprestada a estrutura básica de um livro giallo de 1947, A Screaming Mimi, de Fredric Brown. O mais surpreendente - e o que confirma o talento de Argento - é que essa mesma obra já havia gerado um filme ruim em 1958, produzido em Hollywood. E enquanto essa primeira versão já foi praticamente esquecida, O Pássaro... ainda é popular no mundo inteiro.
Podemos dizer, portanto, que Dario Argento levou o giallo aos filmes de Sergio Leone. Mas, ao mesmo tempo, Era Uma Vez no Oeste foi um intercâmbio entre dois grandes artistas de gerações e gêneros diferentes. Se Argento deu a estrutura do giallo a Leone, este deu a Dario a violência, os enquadramentos originais, a câmera como protagonista e o uso muito particular da música. Parceiro habitual de Leone, Ennio Morricone compôs para Argento uma trilha sonora tão marcante e eficaz em O Pássaro... que Quentin Tarantino usou-a num de seus filmes recentes (À Prova de Morte, 2007).
Enfim, o giallo à italiana inventado por Argento nasceu, é claro, do talento do então jovem diretor, mas também da sua interpretação dessas fontes de inspiração (Germi, Bava e Leone). O ciclo também revelou outros diretores importantes, como Sergio Martino, Pupi Avati e Lucio Fulci. Foi uma época de ouro para o cinema italiano, tanto artística quanto comercialmente, ja que essas obras também eram bem recebidas no resto do mundo. Depois, a partir de 1976-77, a violência e o sexo atingiram o nível máximo nos gialli. Para ultrapassar esses limites e oferecer mais sangue e tripas para o público, foi necessário mudar para o cinema de horror.
E foi novamente Dario Argento quem indicou o novo caminho a percorrer: com o lançamento de Suspiria, em 1977, nascia o cinema de horror moderno italiano. Mas essa é outra história, embora os autores sejam os mesmos...
Tradução e adaptação de Felipe M. Guerra