Assisti a Natalício Cavalo, da Cia Rústica, no sábado passado, no Teatro de Câmara Túlio Piva. No domingo pela manhã, minha avó paterna morreu, aos 90 anos. O espetáculo trata da triste verdade que temos tanta dificuldade em aceitar: todos morreremos, nós e as pessoas que amamos. Como devemos encarar a morte? Com a arte da memória, responderia a Cia Rústica. A memória é a celebração coletiva da vida. A história de minha avó - a fuga do antissemitismo na Europa, o casamento em uma colônia no Interior, os almoços em família no Bom Fim - ecoa um pedaço da história da humanidade.
É dessa celebração da vida como superação da morte que trata a Trilogia Festiva, iniciada em 2010 com o espetáculo Clube do Fracasso, que falava dos insucessos que estão no caminho dos nossos sonhos. Natalício Cavalo é a segunda etapa (a terceira ainda não tem data de estreia), embora configure uma peça à parte - para apreciar, não é preciso ter assistido à primeira.
Aqui, somos apresentados ao personagem-título, um pária ligado às coisas do campo que foi apresentador de programa de rádio tradicionalista, produtor de rodeios e integrante da Brigada Militar, entre outras atividades. Teve diversas mulheres e muitos filhos. Sua história é contada, propositalmente, com as lacunas da memória. A peça frequentemente deixa em dúvida o ano ou a localização de um acontecimento. A mensagem é clara: não é que a história seja imprecisa; nós é que somos sujeitos imperfeitos.
Natalício é interpretado, em diferentes fases da vida, por três competentes atores: Rossendo Rodrigues, Lisandro Bellotto e Heinz Limaverde. Os demais integrantes do virtuoso elenco são Marcelo Mertins, Marina Mendo e Priscilla Colombi. O espetáculo opera em um registro diferente de Clube do Fracasso, em que os atores relatavam suas memórias em primeira pessoa. Agora temos uma única história, e a questão da memória está diluída. A mudança de perspectiva trouxe uma dramaturgia bem mais coesa, com momentos bem-humorados, como na divertida cena que explica o que é uma gineteada.
A ambientação do espetáculo remete ao universo do gaúcho. É assim na cenografia repleta de caixas de madeira, no figurino folclórico e na paisagem sonora criada com recursos como o bumbo leguero, tradicional instrumento de percussão. A trilha sonora é gravada e, em parte, executada ao vivo. Não há dúvida de que a estratégia funciona, especialmente porque os trechos gravados trazem formatos que não seriam reproduzidos no palco sem dificuldade. Por outro lado, descaracteriza um dos achados mais interessantes da Cia Rústica em produções anteriores - espetáculos com trilha 100% ao vivo.
NATALÍCIO CAVALO
> Sextas e sábados, às 21h, e domingos, às 20h.
> Teatro de Câmara Túlio Piva (República, 575), fone (51) 3289-8093, em Porto Alegre.
> Ingressos: R$ 20. Desconto de 50% para idosos, estudantes e classe artística. De 22 a 24 de março, a entrada é franca.
Teatro
Opinião: "Natalício Cavalo" celebra a memória como superação da morte
Peça da Cia Rústica está em cartaz no Teatro de Câmara Túlio Piva, em Porto Alegre
Fábio Prikladnicki
Enviar emailGZH faz parte do The Trust Project
- Mais sobre: