Maria Bethânia avisa em Carta de Amor: 'Não mexe comigo / Que eu não ando só'. Na verdade, a cantora anda sempre bem acompanhada - e seu novo parceiro de estrada é o pianista, compositor, arranjador e maestro Wagner Tiso. A baiana e o mineiro mostram aos gaúchos, quarta e quinta-feiras, o resultado desse encontro musical, nascido com a turnê do disco Oásis de Bethânia (2012).
O show que traz novamente a Porto Alegre a maior cantora do Brasil parecia encantado: no final de novembro passado, Maria Bethânia cancelou as duas apresentações que faria na cidade por conta de uma estafa; transferidos para o começo de janeiro, os concertos foram outra vez desmarcados devido à morte de Dona Canô (1907 - 2012), a veneranda mãe da intérprete e de Caetano Veloso. Mas agora vai: batizado com o nome de uma das faixas do mais recente álbum de Bethânia, Carta de Amor finalmente chega ao Teatro do Sesi.
- O título se refere também a todo tipo de amor que canto no show: o amor maduro, o amor inconstante, o amor traído, o amor eterno, o passageiro, o triste, o alegre - explica a diva.
Artista reconhecida pela consistência e coerência de sua carreira, Bethânia nunca deixou de incorporar com equilíbrio a novidade em seu trabalho. Em Oásis de Bethânia, por exemplo, a cantora aflora a compositora bissexta - é dela a letra forte de Carta de Amor, espécie de declaração de princípios musicada por Paulo Cesar Pinheiro. A grande inovação de seu 50º álbum, porém, está no formato: os 10 temas foram arranjados por músicos do calibre de Djavan, Hamilton de Holanda, Lenine, Luciana Rabello, Mauricio Carrilho, Marcelo Costa e André Mehmari.
Como no CD, o espetáculo ao vivo também traz uma sonoridade diferente e um novo maestro: Wagner Tiso, substituto do paulista Jaime Alem - que ficou nada menos do que 30 anos à frente da banda de Bethânia.
- Meu objetivo é colorir as ideias de Bethânia. Já fiz música para teatro, mas arranjos e direção de música mais teatral ainda não havia feito. Bethânia trata com muito respeito o trabalho e a carreira. É uma pessoa doce e educada, firme naquilo que quer para seus shows. Com ela não tem improvisação, Bethânia privilegia a coisa da cena - revelou Tiso em entrevista por telefone a Zero Hora.
Integrante do mítico Clube da Esquina e responsável pela direção musical de discos de nomes como Gonzaguinha, Paulo Moura e, especialmente, Milton Nascimento, o regente está entusiasmado com essa pororoca musical entre Minas e Bahia:
- Trabalhei com Gal Costa, mas ela é mais livre. Com Bethânia, tudo é marcado. Acrescentei a minha maneira de fazer música. É a comunhão da grandiosidade de Minas com a coisa rítmica da Bahia. Em Minas, são as montanhas, a introversão, enquanto, na Bahia, é a praia, a coisa mais solta, o que acaba refletindo na música.
Em cena, Tiso toca piano e conduz uma banda de virtuoses: Gabriel Improta (violão e guitarra), Paulo Dafilin (violão e viola), Pantico Rocha (bateria), Marcelo Costa (percussão), Marcio Mallard (violoncelo) e Jorge Helder (baixo). Ao lado de Helder, que assina com a cantora a criação geral de Oásis de Bethânia, o maestro adaptou as diversas abordagens musicais do disco. Já quem assina a direção geral e o cenário é a encenadora Bia Lessa.
O show reúne canções desse mais recente trabalho, sucessos antigos e músicas interpretadas por Bethânia pela primeira vez - como Não Enche, de Caetano Veloso, A Casa É Sua, de Arnaldo Antunes, e Quem me Leva os Meus Fantasmas, do português Pedro Abrunhosa, além da inédita Em Estado de Poesia, de Chico César. Wagner Tiso informou ainda a ZH que a cantora acrescentou no sábado passado, na retomada da turnê em Uberlândia, um clássico de seu repertório: Olhos nos Olhos, de Chico Buarque.
Diretor musical também do projeto que comemora os 50 anos de carreira de Milton Nascimento, o maestro mineiro já vai ficar por aqui depois da passagem sulista de Bethânia - Tiso acompanha o cantor e amigo no espetáculo Uma Travessia, que será apresentado neste sábado em Porto Alegre, no Auditório Araújo Vianna, e no domingo em Novo Hamburgo, no Teatro Feevale.
- Meu trabalho com Bethânia se limita a essa turnê. Ela me falou que gostaria de gravar modinhas brasileiras no formato piano e voz, talvez também com orquestra, mas isso ainda está amadurecendo - adianta Tiso.