O acidentado caminho da democracia brasileira tem um Dia D peculiar, iniciado em 31 e março e encerrado em 1º de abril, justo no dia dos bobos.
O golpe militar de 1964, que derrubou o presidente João Goulart e colocou o Brasil sob a ditadura militar, ganha no documentário O Dia que Durou 21 Anos mais uma abordagem de extrema relevância, entre as tantas que o cinema brasileiro tem apresentado nos últimos anos sobre o tema.
Em cartaz a partir de sexta-feira em Porto Alegre, o filme de Camilo Tavares faz um recorte até aqui inédito sobre os anos de chumbo no Brasil: a ação direta do governo dos EUA para tirar Jango do poder, interferência sabida mas que agora Camilo comprova com documentos e gravações então inéditas garimpadas, sobretudo, em arquivos de Washington.
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Entrevista com o diretor Camilo Tavares
Artigo do jornalista Flávio Tavares, ex-preso político e produtor do documentário
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Uma gravação, por exemplo, traz uma conversa de 1962 entre o presidente John F. Kennedy e seu embaixador no Brasil, Lincoln Gordon, em que manifestam a preocupação com o que julgam ser uma inclinação de Jango à esquerda e falam em apoiar militares brasileiros insatisfeitos de forma "discreta" e que os EUA não seriam hostis a uma ação para impedir a "entrega do país aos comunistas".
Começa a se articular ali, no calor da Guerra Fria e diante do temor americano de que o "barbudo" Fidel Castro espalhasse sua revolução pela América Latina, o processo que culminaria no golpe de 1964, tratado, pelos golpistas, como "revolução democrática". A estratégia envolveu a criação de entidades de fachada para ações de propaganda contra as reformas sociais e tributárias propostas por Jango e também para financiar políticos alinhados na defesa de interesses econômicos americanos no Brasil. Ao país foi enviado, como adido militar, o coronel Vernon Walters, que tinha vínculo com os generais brasileiros desde a II Guerra.
O Dia que Durou 21 Anos também comprova com documentos a existência da Operação Brother Sam, força naval americana deslocada para Santos (SP) - reforçada por um porta-aviões - que ficou em prontidão para entrar em campo caso houvesse resistência ao golpe de 1964.
Filho do jornalista e ex-preso político exilado Flávio Tavares - que assina a produção do longa -, Camilo faz de O Dia que Durou 21 Anos uma das mais importantes peças do mosaico que o cinema documental brasileiro ergue sobre a ditadura - que já abordou, entre outros temas, o trabalho conjunto dos governos militares de países do Cone Sul na caça aos opositores (em Condor) e o financiamento de empresários graúdos aos órgãos de repressão (em Cidadão Boilesen).
O trabalho conjunto de pai e filho é primoroso no rigor histórico e jornalístico com que preenchem mais essa lacuna na memória do país, missão na qual não poderiam deixar de ouvir - entrevistados pelo próprio Flávio - militares protagonistas do golpe que seguem convictos de que agiram pelo bem do Brasil.