O texto abaixo foi publicado no caderno Cultura de ZH na ocasião do centenário de Oscar Niemeyer. À época, o arquiteto Edson Mahfuz escreveu um artigo sobre o legado de Niemeyer que você pode ler clicando aqui.
Oscar Niemeyer, cem anos este sábado, pode não ter inventado o Brasil, mas inventou uma forma de olhar - ou inventou formas para se olhar, o que, no caso dele, dá mais ou menos no mesmo. Há mais de 70 anos, Oscar Niemeyer vem riscando formas e, a partir delas, conformando olhares. A percepção moderna, aquela que compreende o plano limpo, seco, sintético, aquela que acompanha a linha curva, o vão livre, o bloco suspenso, é em alguma medida uma invenção de Niemeyer. A gente não se deliciaria com essas imagens se o conjunto de sua obra não houvesse nos educado para isso.
O cidadão pode até não gostar da arquitetura dele - e muita gente não gosta. Arquitetos, professores, críticos de arquitetura ou gente que mora, trabalha e freqüenta os prédios desenhados por ele já apontaram com exatidão o quanto essas peças podem ser lindas mas inadequadas.
Também já se criticou o caráter megalômano e monumental de seus projetos mais recentes - sendo que recentes, no caso do criador centenário, seriam os trabalhos dos últimos 30 anos. Por outro lado, pipocam em igual medida os entusiastas de suas invenções, aqueles que, por esses dias, fizeram do homem uma efeméride ambulante. (Em artigo na página central deste caderno, o arquiteto Edson Mahfuz, professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, sugere que talvez não seja mais o caso de se fixar em nenhum dos lados: melhor tentar entender essa obra e pensar a partir dela.)
Não se discute mais - mas vale a pena lembrar - que a arquitetura de Oscar Niemeyer se tornou referência para o mundo. O português Álvaro Siza, apontado como um dos cinco maiores arquitetos do mundo, superior, portanto, a Niemeyer numa suposta escala dos maiores, reconhece o quanto sua geração deve ao brasileiro - e, de fato, é possível perceber na sede da Fundação Iberê Camargo (o prédio que Siza desenhou para Porto Alegre) alguma reverberação das curvas de Niemeyer.
- Na minha formação, a influência dele foi fulminante - admite o português.
Talvez hoje Niemeyer não seja nem sequer o maior arquiteto do Brasil. Já há quem cite o paulista Paulo Mendes da Rocha, mas o próprio Mendes da Rocha faz questão de sublinhar o quanto ele, a arquitetura e a cultura nacional devem ao aniversariante:
- Ele amparou a nossa existência - disse Mendes da Rocha em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo. - Todo o prestígio da arquitetura brasileira se deve a ele. E é um prestígio advindo da idéia de imaginação, que, para o país, sempre representou uma esperança.
Niemeyer também ajudou a definir os contornos do país lá fora. Voltou os olhos do mundo em direção ao Brasil. Parafraseando um comentário de Nelson Motta sobre o cantor João Gilberto, Niemeyer fez mais pela imagem nacional do que pelo menos três gerações de diplomatas pagos para isso. Desenhou mais de mil projetos, dos quais perto de 700 foram executados. Mais do que tudo, ele acreditou no humano. É esse Oscar que completa cem anos este sábado.